Aquelas paredes já não conseguiam
contê-la. Na verdade, talvez fosse ela mesma que já não cabia mais
em si... mesmo que aquelas quatro brancas telas tivessem sido sua
forma de pintar o mundo durante quase cinco anos. Com cores próprias,
com tons que a maioria das pessoas desconhecia.
Não conseguia se
lembrar do motivo que a trouxera ali. Algo fútil, talvez, inspirado
por alguma emoção estúpida, o medo de estar presente, a falta da
capacidade de conter-se. E estar contida foi o que sucedeu por quase
cinco anos... mas agora as portas não mais estavam fechadas. Podia
nitidamente ouvir os sons do ambiente que a cercou por tanto tempo, e
os cheiros misturados invadiam suas narinas como se reanimassem uma
parte dela que ficou adormecida. As pessoas transitavam no corredor,
e poderia se juntar a elas de vontade própria. Ninguém mais a
impediria, não haveria mais ninguém para escoltá-la para dentro...
nem para fora.
Carregando os seus poucos pertences,
andou pelos corredores com a certeza de não mais voltar. Nunca mais.
Não quis olhar para trás... e daquele dia em diante, não foi
preciso mais pintar o mundo nas quatro telas brancas que a
rodeavam... nem com as suas, nem com as tintas que por ventura a
emprestassem. O mundo estava ali, rebuscado, cheio de sentidos, cheio
de sensações e coberto de cores. Ao alcance da mão...
Parou em frente à porta, sem conseguir
se mexer. Dali para frente, não teria mais como carregar suas
tintas. Pensou em voltar; pensou em olhar para o longo corredor atrás
dela. Mas antes que o fizesse, sentiu um toque suave encorajá-la.
Hora de sair.
O mundo parecia muito maior do que se
lembrava. Por um momento, todo aquele ar pareceu sufocá-la. Fechou
os olhos e respirou fundo para recobrar os sentidos. Todos os
sentidos... sentimentos que já não conhecia mais. Quis correr como
uma criança assustada, quis gritar como um animal enjaulado... Mas
só pôde seguir em frente. Um passo após o outro. Não recuaria...
Sentiu o mundo como que pela primeira
vez. Olhou nos olhos de cada pessoa que passava por ela na rua, como
se conhecesse cada uma. Deixou que o ar deslocado pelo movimento
brusco dos veículos lhe parecesse brisa. Não pensou em baixar a
cabeça. Andou por mais alguns metros... passos largos, firmes,
constantes.
Resolveu parar num parque antes de
seguir. Sentou-se debaixo de uma enorme árvore frondosa, que enchia
de sombra o chão abaixo de si. Deixou que os pássaros cantassem a
canção que lhes era própria, e se aproximassem sem medo. Fechou os
olhos mais uma vez, agora sem tensão. Sentiu como se algum pincel
invisível a pintasse com novas cores... com cores que não teria
antes de tudo aquilo. Ouviu o riso das crianças que brincavam... e
uma lágrima se formou no canto de seu olho esquerdo.
Sentiu um cutucão sobre seu ombro. Abriu
os olhos. Ao seu lado, um menino de seus quatro anos a olhava com um
enorme sorriso, estendendo-lhe um papel. “Bem-vinda de volta.”
Ela virou-se como se um raio a
atingisse... e percebeu que ele estava parado a poucos metros. Deixou
que o menino a conduzisse pela mão até a sua presença.
Ela olhou o menino que segurava sua mão,
e sorria.
- ... É ele.
As lágrimas se avolumaram, já não mais
podiam ser contidas. Ela pegou o menino no colo e lhe deu um forte
abraço. E chorou copiosamente. Os três se abraçaram, num abraço
quase eterno.
Ela deu uma última olhada para o mundo à
sua volta. E não chorou mais.
Ele sorriu. Ela sorriu. O menino pegou cada um pela mão
e os conduziu pelo caminho.
O mundo já não conseguia contê-la. Mas
talvez fosse ela mesma que já não cabia mais em si...
E, agora, não era mais só.
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