Utilizando...

Utilidade:
s.f. Qualidade de útil.
Objeto útil; emprego, uso, serventia.
Útil: adj. Que tem uso, préstimo ou serventia; que satisfaz uma necessidade. Que traz vantagem, proveito ou benefício;

Todos os textos aqui postados me foram úteis em alguma fase da vida. E têm uma utilidade atemporal, perpétua. Longe de pedir por aprovação ou pretenderem marcar o leitor em algum momento, estes textos desejam e objetivam a utilidade. Não pedem reconhecimento ou aplausos, amor ou ódio; A utilidade é livre para o pretexto, o texto que quiser. Querem, porém, seu respeito. Podem não ser de todo belos, éticos, saudáveis, proféticos. Mas pedem que, se utilizados, tenham sua autoria reconhecida, como um preço justo e nada caro. Leia, releia, use, utilize. Mas dê a eles o sobrenome, pois todos tem mãe.
Assim, faça deles o uso (ou a utilidade) que quiser.

Raquel Capucci


domingo, 17 de março de 2013

Uriel - Joy Wants Eternity


Aquelas paredes já não conseguiam contê-la. Na verdade, talvez fosse ela mesma que já não cabia mais em si... mesmo que aquelas quatro brancas telas tivessem sido sua forma de pintar o mundo durante quase cinco anos. Com cores próprias, com tons que a maioria das pessoas desconhecia.

Não conseguia se lembrar do motivo que a trouxera ali. Algo fútil, talvez, inspirado por alguma emoção estúpida, o medo de estar presente, a falta da capacidade de conter-se. E estar contida foi o que sucedeu por quase cinco anos... mas agora as portas não mais estavam fechadas. Podia nitidamente ouvir os sons do ambiente que a cercou por tanto tempo, e os cheiros misturados invadiam suas narinas como se reanimassem uma parte dela que ficou adormecida. As pessoas transitavam no corredor, e poderia se juntar a elas de vontade própria. Ninguém mais a impediria, não haveria mais ninguém para escoltá-la para dentro... nem para fora.

Carregando os seus poucos pertences, andou pelos corredores com a certeza de não mais voltar. Nunca mais. Não quis olhar para trás... e daquele dia em diante, não foi preciso mais pintar o mundo nas quatro telas brancas que a rodeavam... nem com as suas, nem com as tintas que por ventura a emprestassem. O mundo estava ali, rebuscado, cheio de sentidos, cheio de sensações e coberto de cores. Ao alcance da mão...

Parou em frente à porta, sem conseguir se mexer. Dali para frente, não teria mais como carregar suas tintas. Pensou em voltar; pensou em olhar para o longo corredor atrás dela. Mas antes que o fizesse, sentiu um toque suave encorajá-la. Hora de sair.

O mundo parecia muito maior do que se lembrava. Por um momento, todo aquele ar pareceu sufocá-la. Fechou os olhos e respirou fundo para recobrar os sentidos. Todos os sentidos... sentimentos que já não conhecia mais. Quis correr como uma criança assustada, quis gritar como um animal enjaulado... Mas só pôde seguir em frente. Um passo após o outro. Não recuaria...

Sentiu o mundo como que pela primeira vez. Olhou nos olhos de cada pessoa que passava por ela na rua, como se conhecesse cada uma. Deixou que o ar deslocado pelo movimento brusco dos veículos lhe parecesse brisa. Não pensou em baixar a cabeça. Andou por mais alguns metros... passos largos, firmes, constantes.

Resolveu parar num parque antes de seguir. Sentou-se debaixo de uma enorme árvore frondosa, que enchia de sombra o chão abaixo de si. Deixou que os pássaros cantassem a canção que lhes era própria, e se aproximassem sem medo. Fechou os olhos mais uma vez, agora sem tensão. Sentiu como se algum pincel invisível a pintasse com novas cores... com cores que não teria antes de tudo aquilo. Ouviu o riso das crianças que brincavam... e uma lágrima se formou no canto de seu olho esquerdo.

Sentiu um cutucão sobre seu ombro. Abriu os olhos. Ao seu lado, um menino de seus quatro anos a olhava com um enorme sorriso, estendendo-lhe um papel. “Bem-vinda de volta.”

Ela virou-se como se um raio a atingisse... e percebeu que ele estava parado a poucos metros. Deixou que o menino a conduzisse pela mão até a sua presença.

         - Você se lembrou... Você me esperou...

         - Todo dia, meu amor... nesses quase cinco anos.

Ela olhou o menino que segurava sua mão, e sorria.

- ... É ele.

As lágrimas se avolumaram, já não mais podiam ser contidas. Ela pegou o menino no colo e lhe deu um forte abraço. E chorou copiosamente. Os três se abraçaram, num abraço quase eterno.

Ela deu uma última olhada para o mundo à sua volta. E não chorou mais.

         - Viver sem você foi uma verdadeira prisão...

Ele sorriu.  Ela sorriu. O menino pegou cada um pela mão e os conduziu pelo caminho.

        - Vamos pra casa.

O mundo já não conseguia contê-la. Mas talvez fosse ela mesma que já não cabia mais em si...
E, agora, não era mais só.

        - Vem, mamãe!

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