Estava ainda deitada na
cama, observando o vento brincar com as folhas das árvores. Não era possível,
naquele momento, ouvir os pássaros cantarem a plenos pulmões... A madrugada
ainda não impunha o seu despertar. Logo o silêncio seria apenas uma
lembrança... Uma lembrança dolorida.
Não desgostava do
silêncio. Pelo contrário, ficar deitada, quieta, esperando pelo canto dos
pássaros, era um de seus momentos preferidos. Aquele silêncio voluntário,
escolhido, cheio de motivos e vazio de razões. Mas esse não... Era o silêncio
imposto pela falta de alguém. Por esse motivo, era seu primeiro silêncio por
estar inquieta, incompleta, ansiosa.
Tinham se conhecido em
um esbarrão desses da vida. Não naqueles de cair papéis sobre o chão,
olhando-se nos olhos superficialmente pela falta de graça, trocando desculpas
artificiais. Não um esbarrão como esse. Um esbarrão daqueles que não só papéis
caem sobre o chão, mas sonhos, planos, expectativas, intenções... E fica tudo
ali, exposto, quase que involuntariamente.
O encontro deles havia
sido assim. Lembrava-se de ter se sentindo inundada, pela primeira vez, com uma
sensação que não sabia de onde vinha. Daquelas que parecem vir da nuca, outras
horas da boca do estômago, e outras ainda fazendo levitar os pés. Involuntariamente...
Como pura mágica. Aquele tipo de evento tão impressionante que você não ousa
questionar.
Após o primeiro
encontro, ficaram algum tempo procurando um pelo outro. Ela procurava, mas era
ele quem a encontrava... nos mais profundos sentidos, aos quais nem mesmo ela
parecia ter acesso. Foi apenas um encontro, um momento e poucas palavras, mas
já era possível vislumbrar o que se passava por dentro...
Lembrava-se de ter
virado o rosto na outra direção, para não sucumbir ao olhar e fazer papel de
boba. Ou, ainda, para não se precipitar demais no que deveria ser apenas mais
um encontro. A única coisa que se lembrava depois disso foi sentir a mão dele
sobre seu ombro, e de sentir-se inundada em nuca, estômago, pés... e coração. Pela
primeira vez...
Foram alguns meses.
Alguns meses em que ela aceitou ignorar seu gosto pela solidão. Alguns meses se
dando conta da progressão geométrica daquela sensação. Olhares, frases... mas o
que ela apreciava mais daquilo tudo era finalmente poder dividir o seu silêncio
com alguém. O silêncio de pausas musicais... tão vazias e ao mesmo tempo tão
plenas...
Em uma das conversas,
lembrava-se de ter confessado:
- Não sabemos quase nada
de nós dois...
- Tudo que precisamos
saber... – disse ele – Nós já sabemos.
E ela entendia. Tudo que
era preciso saber gritava tão forte naqueles silêncios, que era quase ensurdecedor...
E agora o silêncio a
incomodava... Não havia mais nada de eloquente nele. Nenhuma respiração para
ouvir, um coração a bater, algo que significasse outra vida aliada à sua. As
pausas eram infinitas, ficar deitada e quieta era como esperar pelo fim... O
fim daquele silêncio.
Finalmente, a cotovia em
seu cantar suave e insistente fez com que despertasse de seu devaneio entre os
mundos. Virou apenas os olhos, mirando os primeiros raios de sol que vinham lhe
incomodar a visão. Apertou os olhos violentamente, enquanto a luz entrava sem
pedir licença em seus sentidos.
Vestiu-se, colocou sua
bolsa sobre o ombro, trancou janelas e portas como de costume. Desceu pelo
elevador com o coração apertado. “Será que ele vem?” A espera nunca lhe pareceu
tão longa... mas abreviou sua ansiedade ao constatar que bem à porta do
edifício, recostado no portão, lá estava ele. Olhando para a mesma cotovia que
cantava insistentemente.
Ela se aproximou
vagarosamente, e deixou que seu perfume despertasse os sentidos daquele que a
esperava. Ele se virou com o seu sorriso costumeiro. Deram os passos decisivos
em direção um do outro...
...E trocaram o abraço
de sempre. Com direito a sensações perpassando por nuca, estômago e coração... Numa
vontade eterna de não soltar mais... No alçar voo pelo levitar dos pés...
Involuntariamente.
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