Utilizando...

Utilidade:
s.f. Qualidade de útil.
Objeto útil; emprego, uso, serventia.
Útil: adj. Que tem uso, préstimo ou serventia; que satisfaz uma necessidade. Que traz vantagem, proveito ou benefício;

Todos os textos aqui postados me foram úteis em alguma fase da vida. E têm uma utilidade atemporal, perpétua. Longe de pedir por aprovação ou pretenderem marcar o leitor em algum momento, estes textos desejam e objetivam a utilidade. Não pedem reconhecimento ou aplausos, amor ou ódio; A utilidade é livre para o pretexto, o texto que quiser. Querem, porém, seu respeito. Podem não ser de todo belos, éticos, saudáveis, proféticos. Mas pedem que, se utilizados, tenham sua autoria reconhecida, como um preço justo e nada caro. Leia, releia, use, utilize. Mas dê a eles o sobrenome, pois todos tem mãe.
Assim, faça deles o uso (ou a utilidade) que quiser.

Raquel Capucci


quinta-feira, 21 de março de 2013

Against All Odds - Phil Collins


Estava ainda deitada na cama, observando o vento brincar com as folhas das árvores. Não era possível, naquele momento, ouvir os pássaros cantarem a plenos pulmões... A madrugada ainda não impunha o seu despertar. Logo o silêncio seria apenas uma lembrança... Uma lembrança dolorida.

Não desgostava do silêncio. Pelo contrário, ficar deitada, quieta, esperando pelo canto dos pássaros, era um de seus momentos preferidos. Aquele silêncio voluntário, escolhido, cheio de motivos e vazio de razões. Mas esse não... Era o silêncio imposto pela falta de alguém. Por esse motivo, era seu primeiro silêncio por estar inquieta, incompleta, ansiosa.

Tinham se conhecido em um esbarrão desses da vida. Não naqueles de cair papéis sobre o chão, olhando-se nos olhos superficialmente pela falta de graça, trocando desculpas artificiais. Não um esbarrão como esse. Um esbarrão daqueles que não só papéis caem sobre o chão, mas sonhos, planos, expectativas, intenções... E fica tudo ali, exposto, quase que involuntariamente.

O encontro deles havia sido assim. Lembrava-se de ter se sentindo inundada, pela primeira vez, com uma sensação que não sabia de onde vinha. Daquelas que parecem vir da nuca, outras horas da boca do estômago, e outras ainda fazendo levitar os pés. Involuntariamente... Como pura mágica. Aquele tipo de evento tão impressionante que você não ousa questionar.

Após o primeiro encontro, ficaram algum tempo procurando um pelo outro. Ela procurava, mas era ele quem a encontrava... nos mais profundos sentidos, aos quais nem mesmo ela parecia ter acesso. Foi apenas um encontro, um momento e poucas palavras, mas já era possível vislumbrar o que se passava por dentro...

Lembrava-se de ter virado o rosto na outra direção, para não sucumbir ao olhar e fazer papel de boba. Ou, ainda, para não se precipitar demais no que deveria ser apenas mais um encontro. A única coisa que se lembrava depois disso foi sentir a mão dele sobre seu ombro, e de sentir-se inundada em nuca, estômago, pés... e coração. Pela primeira vez...

Foram alguns meses. Alguns meses em que ela aceitou ignorar seu gosto pela solidão. Alguns meses se dando conta da progressão geométrica daquela sensação. Olhares, frases... mas o que ela apreciava mais daquilo tudo era finalmente poder dividir o seu silêncio com alguém. O silêncio de pausas musicais... tão vazias e ao mesmo tempo tão plenas...

Em uma das conversas, lembrava-se de ter confessado:

- Não sabemos quase nada de nós dois...

- Tudo que precisamos saber... – disse ele – Nós já sabemos.

E ela entendia. Tudo que era preciso saber gritava tão forte naqueles silêncios, que era quase ensurdecedor...

E agora o silêncio a incomodava... Não havia mais nada de eloquente nele. Nenhuma respiração para ouvir, um coração a bater, algo que significasse outra vida aliada à sua. As pausas eram infinitas, ficar deitada e quieta era como esperar pelo fim... O fim daquele silêncio.

Finalmente, a cotovia em seu cantar suave e insistente fez com que despertasse de seu devaneio entre os mundos. Virou apenas os olhos, mirando os primeiros raios de sol que vinham lhe incomodar a visão. Apertou os olhos violentamente, enquanto a luz entrava sem pedir licença em seus sentidos.

Vestiu-se, colocou sua bolsa sobre o ombro, trancou janelas e portas como de costume. Desceu pelo elevador com o coração apertado. “Será que ele vem?” A espera nunca lhe pareceu tão longa... mas abreviou sua ansiedade ao constatar que bem à porta do edifício, recostado no portão, lá estava ele. Olhando para a mesma cotovia que cantava insistentemente.

Ela se aproximou vagarosamente, e deixou que seu perfume despertasse os sentidos daquele que a esperava. Ele se virou com o seu sorriso costumeiro. Deram os passos decisivos em direção um do outro...

...E trocaram o abraço de sempre. Com direito a sensações perpassando por nuca, estômago e coração... Numa vontade eterna de não soltar mais... No alçar voo pelo levitar dos pés...

Involuntariamente.

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