Utilizando...

Utilidade:
s.f. Qualidade de útil.
Objeto útil; emprego, uso, serventia.
Útil: adj. Que tem uso, préstimo ou serventia; que satisfaz uma necessidade. Que traz vantagem, proveito ou benefício;

Todos os textos aqui postados me foram úteis em alguma fase da vida. E têm uma utilidade atemporal, perpétua. Longe de pedir por aprovação ou pretenderem marcar o leitor em algum momento, estes textos desejam e objetivam a utilidade. Não pedem reconhecimento ou aplausos, amor ou ódio; A utilidade é livre para o pretexto, o texto que quiser. Querem, porém, seu respeito. Podem não ser de todo belos, éticos, saudáveis, proféticos. Mas pedem que, se utilizados, tenham sua autoria reconhecida, como um preço justo e nada caro. Leia, releia, use, utilize. Mas dê a eles o sobrenome, pois todos tem mãe.
Assim, faça deles o uso (ou a utilidade) que quiser.

Raquel Capucci


quarta-feira, 20 de março de 2013

Black Sun - Dead Can Dance


- O que eu faria se o mundo acabasse hoje?

Sorriu sarcasticamente, duvidando das intenções da pergunta feita pelo seu inquisidor do outro lado da parede de espelhos. Seus olhos estavam vendados e as mãos cuidadosamente posicionadas sobre os joelhos. Sabia que um movimento em falso poderia levantar suspeitas a respeito de sua real intenção.

Pouco ou quase nada em si diferia de seu algoz. Podia ouvir respirações como se fossem a sua. Tão perto de seus ouvidos, como o hálito quente do demônio da culpa que rondava naquelas noites frias de inverno.  Não tentava fugir; apenas sorria sarcasticamente. Não havia cronômetro para marcar o tempo de suas reações. Sabia que esperariam por toda a eternidade por aquela resposta.

Pensou em mentir. Pensou que inventar uma história irreal e que satisfizesse o apetite daquela fúria seria mais convincente, mais lógico. Talvez fosse seu passaporte para um dia mais claro, para uma visão sem disfarces. Ainda que não reagisse com o corpo, sabia que seus sorrisos silenciosos suscitavam sentimentos diversos em quem o inquiria.

Aquela questão já tinha sido feita várias vezes... e nunca pensara em responder. Afinal, eram um só. Não havia como não saber, bastava um olhar... Mas seus olhos estavam vendados, não era possível olhar para dentro deles como se fossem uma parede de espelhos.

O metrônomo do universo impôs seus ruídos paulatinamente, marcando o compasso do pensamento, até que tivesse que responder... De uma vez por todas.

- O que eu faria se o mundo acabasse hoje? – repetiu, sem sorrir. – Quantas vezes você já não me fez essa pergunta?... Hoje...

Titubeou por mais alguns segundos, contados no metrônomo.

- Hoje eu responderei.

Não pôde saber as reações. Sua visão estava obscurecida pelo orgulho. Mas era tarde demais para esperar.

- Hoje... Se o mundo acabasse...

E com uma das mãos, antes posicionada sobre os joelhos, começou a retirar a venda, vagarosamente.

- Se o mundo acabasse hoje...

- Eu enfileiraria em pensamento todas as pessoas que já passaram pela minha vida, e diria a cada uma delas o que queria dizer.

-Diria que amo a quem realmente amo. Pediria perdão por não ter conseguido amar. Ouviria súplicas, desculpas.

- Diria que não tenho mágoas, nem más intenções. Que não conto as lágrimas, apenas deixo que sequem ao vento... Que conto o tempo pelas batidas do meu coração...

- Pegaria cada uma pela mão e levaria à porta da minha consciência. Mostraria que não há fechadura, nem segredo. Mas que é preciso bater para entrar...

- Deixaria que cada um visse o que é preciso enxergar... E que há algo para além do fim...

A venda caiu-lhe sobre os joelhos, libertando totalmente a visão. Do outro lado do reflexo, alguém olhava com olhos molhados. Havia escrito o que dizia sobre a parede de espelhos em letras de forma. Não podia mais esperar...

- Não é o fim...

- O que eu faria hoje...

- Se o mundo não acabasse?...

Nenhum comentário:

Postar um comentário