- O que eu faria se o
mundo acabasse hoje?
Sorriu sarcasticamente, duvidando
das intenções da pergunta feita pelo seu inquisidor do outro lado da parede de
espelhos. Seus olhos estavam vendados e as mãos cuidadosamente posicionadas
sobre os joelhos. Sabia que um movimento em falso poderia levantar
suspeitas a respeito de sua real intenção.
Pouco ou quase nada em si diferia de seu algoz. Podia ouvir respirações como se fossem a sua. Tão perto
de seus ouvidos, como o hálito quente do demônio da culpa que rondava
naquelas noites frias de inverno. Não
tentava fugir; apenas sorria sarcasticamente. Não havia cronômetro para marcar
o tempo de suas reações. Sabia que esperariam por toda a eternidade por aquela
resposta.
Pensou em mentir. Pensou
que inventar uma história irreal e que satisfizesse o apetite daquela fúria
seria mais convincente, mais lógico. Talvez fosse seu passaporte para um dia
mais claro, para uma visão sem disfarces. Ainda que não reagisse com o corpo,
sabia que seus sorrisos silenciosos suscitavam sentimentos diversos em quem o
inquiria.
Aquela questão já tinha
sido feita várias vezes... e nunca pensara em responder. Afinal, eram um só.
Não havia como não saber, bastava um olhar... Mas seus olhos estavam vendados,
não era possível olhar para dentro deles como se fossem uma parede de espelhos.
O metrônomo do universo impôs
seus ruídos paulatinamente, marcando o compasso do pensamento, até que tivesse
que responder... De uma vez por todas.
- O que eu faria se o
mundo acabasse hoje? – repetiu, sem sorrir. – Quantas vezes você já não me fez
essa pergunta?... Hoje...
Titubeou por mais alguns
segundos, contados no metrônomo.
- Hoje eu responderei.
Não pôde saber as
reações. Sua visão estava obscurecida pelo orgulho. Mas era tarde demais para
esperar.
- Hoje... Se o mundo
acabasse...
E com uma das mãos,
antes posicionada sobre os joelhos, começou a retirar a venda, vagarosamente.
- Se o mundo acabasse
hoje...
- Eu enfileiraria em
pensamento todas as pessoas que já passaram pela minha vida, e diria a cada uma
delas o que queria dizer.
-Diria que amo a quem
realmente amo. Pediria perdão por não ter conseguido amar. Ouviria súplicas,
desculpas.
- Diria que não tenho
mágoas, nem más intenções. Que não conto as lágrimas, apenas deixo que sequem
ao vento... Que conto o tempo pelas batidas do meu coração...
- Pegaria cada uma pela
mão e levaria à porta da minha consciência. Mostraria que não há fechadura, nem
segredo. Mas que é preciso bater para entrar...
- Deixaria que cada um visse
o que é preciso enxergar... E que há algo para além do fim...
A venda caiu-lhe sobre
os joelhos, libertando totalmente a visão. Do outro lado do reflexo, alguém olhava
com olhos molhados. Havia escrito o que dizia sobre a parede de espelhos em
letras de forma. Não podia mais esperar...
- Não é o fim...
- O que eu faria hoje...
- Se o mundo não
acabasse?...
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