Utilizando...

Utilidade:
s.f. Qualidade de útil.
Objeto útil; emprego, uso, serventia.
Útil: adj. Que tem uso, préstimo ou serventia; que satisfaz uma necessidade. Que traz vantagem, proveito ou benefício;

Todos os textos aqui postados me foram úteis em alguma fase da vida. E têm uma utilidade atemporal, perpétua. Longe de pedir por aprovação ou pretenderem marcar o leitor em algum momento, estes textos desejam e objetivam a utilidade. Não pedem reconhecimento ou aplausos, amor ou ódio; A utilidade é livre para o pretexto, o texto que quiser. Querem, porém, seu respeito. Podem não ser de todo belos, éticos, saudáveis, proféticos. Mas pedem que, se utilizados, tenham sua autoria reconhecida, como um preço justo e nada caro. Leia, releia, use, utilize. Mas dê a eles o sobrenome, pois todos tem mãe.
Assim, faça deles o uso (ou a utilidade) que quiser.

Raquel Capucci


sábado, 30 de março de 2013

Through Glass - Stone Sour


Corria para poder alcançar o que parecia inalcançável. Nem mesmo o vento contrário podia impedi-la em sua intenção de chegar antes do tempo, sobrevoar a cidade com os pés de Zéfiro...

Sabia que havia outros meios melhores de conseguir chegar, que a levariam além das próprias intenções, mas não conseguia mais pensar... somente sentir o aperto que a deixava quase sem ar. Tinha que correr para poder respirar, correr para continuar vivendo. Não podia e nem queria conter aquele sentimento arrebatador que a tomava por completo.

Não sabia o que aconteceria depois. Talvez aquela não fosse a melhor maneira, ou talvez tivesse sido melhor deixar as coisas como estavam. Algumas palavras rudes, algumas fotos jogadas ao vento do sexto andar... E já não teria mais aquela paz que antes tivera, de poder ver roupas e vinis jogados pelo chão. A paz de estar sozinha, aquela paz que ela tanto quisera durante os últimos meses, agora parecia uma faca apunhalando-a pelas costas. Não era o que queria... Será que era melhor deixar as coisas como estavam?...

Pensava... e corria. Não era possível parar de correr. As pernas já seguiam sozinhas em direção ao aeroporto. Esquecera as chaves do carro e do apartamento vazio. A mobília fria, sem o calor dos corpos quentes de desejo em noites de outono, falava verdades que ela não queria ouvir. Não tinha sido culpa de ninguém, cada um fizera o que podia. Cada um agira de acordo com seus medos escondidos, esquecendo-se que em algum ponto do meio estava o amor que cultivavam há pouco mais de dois anos. Cada qual com suas feridas abertas, sangrando sobre letras de músicas que não eram sua trilha sonora. Pararam de enxergar um ao outro para ver apenas a si mesmos e sua culpa... Mas não tinha sido culpa de ninguém.

O vento soprava ainda mais forte. No horizonte uma tempestade prateada se formava. A vontade de Zéfiro a levava para frente... e ela sabia que chegaria, nem que fosse em pedaços. Pequenos pedaços não recolhidos de si mesma. Não havia outro lugar que queria estar a não ser naqueles braços que conhecia tão bem e ainda queria. Braços que reconheceria pelo calor, pelo toque e pela intenção dentre milhões de outros. Os que ela queria...

O vento soprava tão forte quanto naquela tarde em que levara embora as imagens impressas de memórias que ela conhecia tão bem... Mas que não queria mais.

Tinha que correr para continuar respirando... respirar para continuar vivendo. Ainda que seu corpo estivesse preparado para o esforço, a emoção conferia uma dificuldade a mais que quase lhe turvava a visão. Não sabia se chegaria... E, se não chegasse, perderia para sempre o que tanto queria. Olhos, lábios, cabelos, braços... uma vida ainda não ocorrida, jogada pelo sexto andar. Uma força descomunal a empurrava para frente, propulsionando-a como um míssil. Zéfiro e ela já eram um só...

Chegou ao aeroporto ainda correndo... ainda respirando. Em um só pedaço colhido de si mesma. Mas sabia que uma parte dela poderia partir a qualquer momento... E ela se partiria em pedaços.

Não pensava, apenas corria. Sequer se deu conta do rebuliço que causara atrás de si. Algumas pessoas a seguiram... Mas ela e Zéfiro já eram um só, e ninguém conseguia alcançá-la... seria como alcançar o inalcançável.

Chegou até a janela que dava para a pista... e foi com desespero que pôde ver o avião partindo. Parte de si mesma partiu-se em milhares de pedaços. Não sabia se os recolheria...

Apoiou-se sobre o vidro e sentiu toda a estafa que a corrida conferia a seu corpo. Ouviu seus perseguidores se aproximando, e foi num gesto de entrega que deixou que a levassem para fora do aeroporto.

Pouco depois, já em um pedaço amargo de si mesma, sentou-se em um ponto onde podia ver as nuvens clareando diante de seus olhos. A chuva fora levada para longe pelo vento que sua corrida produzira. Ela e Zéfiro eram um só...

- Você chegou atrasada.

Dentro dela pedaços se juntavam. Ali estavam os olhos, lábios, cabelos e braços que ela tanto buscara... E tanto queria. Deixou-se jogar e jorrar para dentro dele por meio dos sentidos, sem dar-se conta do tempo.

- Por que você não me disse nada?

- Porque eu sabia que você viria...

- Você não queria ir embora?

Ele tirou os bilhetes de dentro do bolso do sobretudo.

- Você chegou atrasada. – repetiu, e sorriu o sorriso dos lábios que ela tanto queria.

Ela o pegou pela mão e correu até o portão de embarque.

E partiram nas asas de Zéfiro, em um só pedaço.



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