Utilizando...

Utilidade:
s.f. Qualidade de útil.
Objeto útil; emprego, uso, serventia.
Útil: adj. Que tem uso, préstimo ou serventia; que satisfaz uma necessidade. Que traz vantagem, proveito ou benefício;

Todos os textos aqui postados me foram úteis em alguma fase da vida. E têm uma utilidade atemporal, perpétua. Longe de pedir por aprovação ou pretenderem marcar o leitor em algum momento, estes textos desejam e objetivam a utilidade. Não pedem reconhecimento ou aplausos, amor ou ódio; A utilidade é livre para o pretexto, o texto que quiser. Querem, porém, seu respeito. Podem não ser de todo belos, éticos, saudáveis, proféticos. Mas pedem que, se utilizados, tenham sua autoria reconhecida, como um preço justo e nada caro. Leia, releia, use, utilize. Mas dê a eles o sobrenome, pois todos tem mãe.
Assim, faça deles o uso (ou a utilidade) que quiser.

Raquel Capucci


domingo, 6 de janeiro de 2013

O Fim ou Jioty Singh Pandey



Dia 21 de dezembro de 2012. O fim do mundo Maia. A data mobilizou adeptos de todas as crenças, religiões, pessoas de todas as nações, pátrias, tribos, raças, pensamentos e sentimentos. A previsão era de meteoros caindo do céu em chamas, maremotos, pragas, doenças, e também a formação de uma nova consciência de paz, amor e fraternidade entre os seres. Alguns acreditavam na mudança da energia, o início de um novo ciclo, da renovação das esperanças... A maioria ficou esperando acontecimentos apoteóticos no estilo hollywoodiano. Desses, alguns poucos construíram abrigos que resistiriam a quaisquer das intempéries climáticas; outros foram para alguma cidade onde não seriam atingidos pelas mesmas condições hipotéticas de mau tempo. Talvez um ou dois - como você e eu - apenas seguiram com suas vidas normais...
Ouvi vários suspiros aliviados e comentários esperançosos depois dessa data. De que a vida mudaria dali para frente, porque “o mundo não acabou”. Não acabou... Com efeitos especiais e grandes heróis intergalácticos, ou naves espaciais e um show de encerramento, como brincavam alguns. Realmente, não foi o fim do mundo... Mas de que mundo estamos falando?
Dia 16 de dezembro de 2012. Em algum lugar do outro lado do mundo - aquele mesmo mundo que acabaria apoteoticamente cinco dias mais tarde, na crença de muitos – via-se traços do fim. O início de um fim prematuro. Um fim não causado por meteoros, maremotos ou homenzinhos verdes; um fim causado por mãos masculinas contra um corpo feminino. Um corpo e uma alma que deveriam sofrer por terem enfrentado e olhado seus agressores nos olhos. Um corpo, uma alma e uma dor que deveria acontecer porque ela ousou se libertar, por milésimos de segundo, de uma cultura que a ensinou de que mulheres eram inferiores a homens, e que ela deveria sofrer por ter nascido mulher.
Jyoti Singh Pandey. Foi esse o nome revelado pelo pai, poucos dias depois de sua morte. Uma morte prematura e dilacerada, a morte por mãos masculinas contra seu corpo feminino. Tinha 23 anos, estudava medicina. Não era uma jovem mulher como tantas outras de sua cultura, e ao mesmo tempo tinha as mesmas dúvidas e o mesmo sonho de mudar sua condição. Sua sentença de morte foi ter nascido mulher em uma cultura machista e ter entrado num ônibus com seis homens em 16 de dezembro de 2012. Jyoti não era, naquele momento, um ser humano merecedor de respeito. Era um ser inferior, um ser que merecia ter seu corpo violentado, dilacerado e deixado à própria sorte por apenas um grave e odioso motivo: ser mulher. E não uma mulher comum... Uma mulher linda, educada, com uma inteligência provavelmente superior a de seus agressores, e com a coragem de olhá-los diretamente dentro da alma mesmo diante da morte.
Jyoti Singh Pandey não queria ser heroína, tão pouco mártir. Tinha sonhos, desejos, paixões, defeitos, qualidades e medos como qualquer outra mulher da sua idade. Talvez tivesse planos para os próximos anos. Planos interrompidos por mãos masculinas contra um corpo feminino. Seu silêncio mortal falou na voz de milhares de outras mulheres, tanto as que viveram para fazer dela a heroína e mártir que nunca quis ser, quanto para dar voz a tantas outras mulheres mortas da mesma forma brutal e covarde.
Dia 28 de dezembro de 2012. O fim do mundo de Jyoti Singh Pandey, e o início de um novo ciclo para algumas mulheres do mundo que não acabara sete dias antes. Para mim, mais um ano de vida. Para milhares de mulheres, a possibilidade de uma vida que nunca teriam se não fosse a morte da mulher de 23 anos, indiana, linda, educada, inteligente e estudante de medicina, cujo nome era Jyoti Singh Pandey. Um nome que ficará na memória de tantas mulheres de seu país e do mundo.
Foram necessários nove dias para que eu conseguisse sentir reverberar dentro de mim - mulher, 31 anos, mãe, atriz, escritora, cheia de sonhos, medos e planos para o futuro de um mundo que não acabou – a dor pela perda prematura de Jyoti Singh Pandey, uma mulher que não conheci e não teria conhecido, mas que estava conectada a mim pelo simples fato de ser mulher. Pelo simples fato de ter sonhos, planos, medos e dúvidas como todas e todos nós. Por ter sido um ser humano, e por não ter sido tratada como tal pelas mãos masculinas de seis homens.
O mundo não acabou... Para mim, para você. O mundo acabou para Jyoti Singh Pandey, indiana de 23 anos. O mundo acabou para tantas outras mulheres assassinadas e desrespeitadas. O mundo acaba para tantas crianças violentadas. O mundo acaba para tantas mulheres mortas pelo simples fato de serem mulheres. O mundo acaba para as famílias que perdem suas amadas mães, irmãs, filhas, esposas. O mundo acaba...
O mundo onde o mundo de mulheres indefesas acaba para sempre...
Esse, sim, deveria acabar.





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