Utilizando...

Utilidade:
s.f. Qualidade de útil.
Objeto útil; emprego, uso, serventia.
Útil: adj. Que tem uso, préstimo ou serventia; que satisfaz uma necessidade. Que traz vantagem, proveito ou benefício;

Todos os textos aqui postados me foram úteis em alguma fase da vida. E têm uma utilidade atemporal, perpétua. Longe de pedir por aprovação ou pretenderem marcar o leitor em algum momento, estes textos desejam e objetivam a utilidade. Não pedem reconhecimento ou aplausos, amor ou ódio; A utilidade é livre para o pretexto, o texto que quiser. Querem, porém, seu respeito. Podem não ser de todo belos, éticos, saudáveis, proféticos. Mas pedem que, se utilizados, tenham sua autoria reconhecida, como um preço justo e nada caro. Leia, releia, use, utilize. Mas dê a eles o sobrenome, pois todos tem mãe.
Assim, faça deles o uso (ou a utilidade) que quiser.

Raquel Capucci


quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Águia

Tudo começou com uma frase.

Seu rosto não estava bem definido. Os lábios pareciam ora lívidos, ora leves. Algumas horas sérios, contundentes, exigiam mais do que somente palavras; noutras nus, incandescentes, quase tocavam o céu.

Mas foi de uma frase que tudo começou...  Os lábios, então, suplicavam. Algo. Não para saber, não para se abrir... mas para falar.

E os olhos... havia algo naqueles olhos. Quando os lábios estavam nus e pareciam querer beijar o céu, os olhos escapavam. Procuravam no ar, algo nas montanhas. Pareciam olhar para o alto na inocência de uma criança que vê desenhos em nuvens, que fantasia seus desejos em uma tela branca de ilusões. Os olhos eram vagos... mas queriam. E quando eles olhavam diretamente... fugiam. Era naquele olhar no céu, no alto, naquele olhar nu que meus olhos se espelhavam.

E pelos olhos... E pelos lábios... Falou-se a frase. Era uma só. Mas foram muitas. E dos lábios e dos olhos saíram mais do que apenas palavras... Saíram faíscas nas lágrimas e na saliva em partes onde não se podia falar nem enxergar. Mas nós enxergávamos... falávamos... sentíamos cada toque nu de olhos e lábios.

E a conexão aconteceu.

Desde o momento em que a virtualidade dos gestos não nos podia alcançar dentro do peito. Olhos e lábios nus chegavam, enfim, a um coração cru, em carne viva, jorrando de dentro de si mesmo, com a última força que tinha, os próprios sonhos esquecidos. Um coração farto de querer, farto de procurar em nuvens o que não era real.

Enfim, tudo era real!

Mas qual seria o preço de sair da fantasia? O preço de subitamente despir-se no escuro, ouvindo o ruído forte e intenso de outro coração, que pulsava na mesma escala? O troco de fazer-se tirar máscaras, adereços, apreços, lembranças... esqueço... esquece. Era demais conviver com o calor que aquece quando já se havia acostumado a ser inverno. Quando já se havia acostumado a não jorrar mais. Um coração acostumado à solidão, ao bater em si mesmo para não ser abatido...

Loucura?

A conexão foi inevitável. Era loucura... dois corações tão diferentes!

- Mas nem tanto assim...

Duas batidas em descompasso, mas em busca de banimento, de expiação, de fôlego através das vísceras. A conexão, antes virtual, tornou-se visceral. Olhos e lábios eram visceralmente conectados em imagens que não eram mais efêmeras como as nuvens... Não dissipavam mais apenas com o sopro do vento. Não se perdia mais o contorno do desenho ao olhar para o lado.

Era como naquelas vezes quando esquecemos o que procuramos ao sabermos o que encontrar.

O real finalmente não iria mais rasgar a fantasia ao final do carnaval. A conexão visceral de todos os contornos de pernas e abraços não voltaria mais a ser virtual...

Mas virtuosa!

Ah! Era como tocar as nuvens e acreditar que eram sólidas! E os dois sentiram... e acreditaram. Não havia mais nada entre nós... apenas a linha contínua que unia lábios, olhos e coração. E nada poderia atenuá-la...

Mas os olhos, com suas enormes pupilas que dilatavam ante a presença, não eram felinos... Eram de águia. E miravam longe.

E, por fim, os olhos se perderam. Os lábios se desencontraram. As palavras feriam mais que mil punhais, dilacerando o coração. Abatido... sem bater.

E o banimento tornou-se maldição.

E a expiação tornou-se sofrimento.

E os olhos de águia voaram rasante sobre milhões de fantasias irreais.

E os lábios proferiram palavras decoradas, extraídas virtualmente das vísceras.

Não havia mais fantasia. Não havia mais realidade. Apenas o Adeus...

A todos os deuses. A todas as formas de viver-se só. Aqueles lábios e aqueles olhos tinham que ir...

E já não eram punhais. Eram garras de águia triturando o coração...

Com suas asas, resolveu fazer seu voo. Mas a responsabilidade de manter a conexão era só sua. Empaticamente. Telepaticamente. Visceralmente...

Para não mais abater-se. Para não mais abater. Para deixar bater o coração.

Mas se esqueceu de uma coisa...

Estariam unidos pelo fio invisível de uma canção. Pelo toque gelado de um Cristal. Pelo raio de sol que entrasse em seu quarto, inundando a manhã. Pelo frio brilho da lua cheia numa noite de primavera...

Em todas as vezes que seus lábios procurassem o céu...

E em todas as vezes que seus olhos de águia perdessem a direção.

Naquela única frase...

Porque a sua loucura tinha sido igual a minha... E a minha loucura tinha sido igual a sua.

Pois aquele amor não era como as nuvens...

Aquele amor era como a chuva.




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