Corria pelos campos de
algodão com um enorme sorriso no rosto. Não conseguia caber em si de tanta
felicidade. Suas pernas corriam como se por conta própria, numa vontade imensa
de chegar ao topo do mundo, de voar feito bem-te-vi pelo ar, de migrar para
alguma terra dos sonhos que deveria existir mais à frente na colina. Uma
sensação de liberdade inexplicável, inexorável, capaz de dar asas a todos os
seus desejos.
Era menino na época.
Devia ter por volta de seus 12 anos. Como de costume, colocara a flor do
algodão na janela de sua casa, na esperança de que ela a abrisse, ao invés de só
espiar vagamente através da vidraça e esticar o braço por uma fresta para
recolher o presente. Nunca dissera uma palavra, nunca dirigira a ele sequer um
olhar. Mesmo assim, todos os dias, ao vir pelo caminho de volta da escola, ele
recolhia uma flor de algodão com cuidado e deixava no parapeito daquela janela.
A janela que ele esperava um dia ver aberta...
Assim se sucedeu por
alguns meses... E ele nunca pensou em desistir. Todos os dias, saía da escola,
passava pelos campos de algodão e apanhava, com cuidado, a flor mais bonita. Em
seguida, corria o mais rápido que podia até a janela fechada e, delicadamente,
colocava ali a flor como se ela fosse de cristal. Uma após a outra... Um dia
depois do outro.
Certo dia achou que
começava a perder as forças. Já não sabia ao certo se seus esforços eram em vão
ou se havia algo maior, tão maravilhosamente maior esperando por ele, que nada
mais poderia suplantar. E assim pensando, resolveu trepar na grande árvore da
colina próxima à casa dela. Subiu no galho mais alto que conseguiu, observando
atentamente as imagens que podia apreender do lado de dentro da janela.
Esperou o máximo que
pôde. “Este será o último dia”, pensou ele. E o tempo passou... O sol começou a
se pôr no horizonte. Frustrado, começou a descer da árvore como quem recebe a
notícia de sua condenação. Antes de colocar os pés no chão resolveu dar uma
última olhada para a janela.
Finalmente! Lá estava
ela... aberta! Não só aberta, escancarada! O vento soprava forte, e ele pôde
ver a imagem dela com cabelos revoltos, tão belos e lépidos como asas de
borboletas. Ela não podia vê-lo, então procurou com o olhar e a cabeça por
todos os lugares. Mirou o pôr-do-sol com uma expressão triste, pegou um tecido
de algodão em suas mãos e, com desgosto, jogou-o longe no chão, e voltou a
fechar a janela.
Ele desceu do galho mais
baixo da árvore e aproximou-se da casa. Recolheu o tecido do chão... e reparou
que era, na verdade, uma grande colcha com apenas um bordado sobre ela: uma
flor de algodão.
Sem pensar duas vezes,
correu até a janela e bateu com o dorso das mãos sobre a vidraça. Ela estava
sentada numa cadeira, de costas para ele, e parecia chorar. Virou-se de
sobressalto... e correu para abrir a janela.
- Acho... Acho que isso
é seu.
- Não... - disse ela – É
seu.
Sorriu. O sol já tinha
se posto no horizonte, mas ver seu sorriso foi para ele como ver a estrela da
aurora. O mais luminoso e belo dos astros vistos no céu... e na terra, a partir
daquele momento. E foi num gesto suave, sob o céu estrelado, que deram seu
primeiro beijo.
Sentado no sofá da sala,
ele se cobria com a mesma colcha de algodão há quase 50 anos. E não havia nada
mais aconchegante do que aquele fino tecido, que lhe cobria não o corpo, mas a
alma...
- Venha deitar,
querido... Ainda enrolado nessa colcha velha?
- Não é uma colcha
velha... É uma lembrança.
- Lembranças não aquecem
o coração...
E surgiu, mais uma vez,
a estrela da aurora.
- Vamos, venha se deitar
comigo... Já é tarde.
- Ainda é cedo...
E beijaram-se, como que
pela primeira vez, há quase 50 anos...
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