Utilizando...

Utilidade:
s.f. Qualidade de útil.
Objeto útil; emprego, uso, serventia.
Útil: adj. Que tem uso, préstimo ou serventia; que satisfaz uma necessidade. Que traz vantagem, proveito ou benefício;

Todos os textos aqui postados me foram úteis em alguma fase da vida. E têm uma utilidade atemporal, perpétua. Longe de pedir por aprovação ou pretenderem marcar o leitor em algum momento, estes textos desejam e objetivam a utilidade. Não pedem reconhecimento ou aplausos, amor ou ódio; A utilidade é livre para o pretexto, o texto que quiser. Querem, porém, seu respeito. Podem não ser de todo belos, éticos, saudáveis, proféticos. Mas pedem que, se utilizados, tenham sua autoria reconhecida, como um preço justo e nada caro. Leia, releia, use, utilize. Mas dê a eles o sobrenome, pois todos tem mãe.
Assim, faça deles o uso (ou a utilidade) que quiser.

Raquel Capucci


sexta-feira, 22 de março de 2013

Jardim da Fantasia (Bem Te Vi) - Paulinho Pedra Azul


Corria pelos campos de algodão com um enorme sorriso no rosto. Não conseguia caber em si de tanta felicidade. Suas pernas corriam como se por conta própria, numa vontade imensa de chegar ao topo do mundo, de voar feito bem-te-vi pelo ar, de migrar para alguma terra dos sonhos que deveria existir mais à frente na colina. Uma sensação de liberdade inexplicável, inexorável, capaz de dar asas a todos os seus desejos.

Era menino na época. Devia ter por volta de seus 12 anos. Como de costume, colocara a flor do algodão na janela de sua casa, na esperança de que ela a abrisse, ao invés de só espiar vagamente através da vidraça e esticar o braço por uma fresta para recolher o presente. Nunca dissera uma palavra, nunca dirigira a ele sequer um olhar. Mesmo assim, todos os dias, ao vir pelo caminho de volta da escola, ele recolhia uma flor de algodão com cuidado e deixava no parapeito daquela janela. A janela que ele esperava um dia ver aberta...

Assim se sucedeu por alguns meses... E ele nunca pensou em desistir. Todos os dias, saía da escola, passava pelos campos de algodão e apanhava, com cuidado, a flor mais bonita. Em seguida, corria o mais rápido que podia até a janela fechada e, delicadamente, colocava ali a flor como se ela fosse de cristal. Uma após a outra... Um dia depois do outro.

Certo dia achou que começava a perder as forças. Já não sabia ao certo se seus esforços eram em vão ou se havia algo maior, tão maravilhosamente maior esperando por ele, que nada mais poderia suplantar. E assim pensando, resolveu trepar na grande árvore da colina próxima à casa dela. Subiu no galho mais alto que conseguiu, observando atentamente as imagens que podia apreender do lado de dentro da janela.

Esperou o máximo que pôde. “Este será o último dia”, pensou ele. E o tempo passou... O sol começou a se pôr no horizonte. Frustrado, começou a descer da árvore como quem recebe a notícia de sua condenação. Antes de colocar os pés no chão resolveu dar uma última olhada para a janela.

Finalmente! Lá estava ela... aberta! Não só aberta, escancarada! O vento soprava forte, e ele pôde ver a imagem dela com cabelos revoltos, tão belos e lépidos como asas de borboletas. Ela não podia vê-lo, então procurou com o olhar e a cabeça por todos os lugares. Mirou o pôr-do-sol com uma expressão triste, pegou um tecido de algodão em suas mãos e, com desgosto, jogou-o longe no chão, e voltou a fechar a janela.

Ele desceu do galho mais baixo da árvore e aproximou-se da casa. Recolheu o tecido do chão... e reparou que era, na verdade, uma grande colcha com apenas um bordado sobre ela: uma flor de algodão.

Sem pensar duas vezes, correu até a janela e bateu com o dorso das mãos sobre a vidraça. Ela estava sentada numa cadeira, de costas para ele, e parecia chorar. Virou-se de sobressalto... e correu para abrir a janela.

- Acho... Acho que isso é seu.

- Não... - disse ela – É seu.

Sorriu. O sol já tinha se posto no horizonte, mas ver seu sorriso foi para ele como ver a estrela da aurora. O mais luminoso e belo dos astros vistos no céu... e na terra, a partir daquele momento. E foi num gesto suave, sob o céu estrelado, que deram seu primeiro beijo.

Sentado no sofá da sala, ele se cobria com a mesma colcha de algodão há quase 50 anos. E não havia nada mais aconchegante do que aquele fino tecido, que lhe cobria não o corpo, mas a alma...

- Venha deitar, querido... Ainda enrolado nessa colcha velha?

- Não é uma colcha velha... É uma lembrança.

- Lembranças não aquecem o coração...

E surgiu, mais uma vez, a estrela da aurora.

- Vamos, venha se deitar comigo... Já é tarde.

- Ainda é cedo...

E beijaram-se, como que pela primeira vez, há quase 50 anos...

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