Fechou os olhos como se
o mundo não pudesse tocá-la. Deu a si mesma aquela pausa, tão necessária, para
prestar atenção aos sons e cheiros que ainda não conhecia.
Deitou-se na relva como
se a terra que seu corpo tocava fizesse parte dela, até o momento no qual pôde
entender que, realmente, não havia diferença... Tudo, naquele momento, fazia
parte de uma coisa só.
Há muito sentia uma
falta dentro de si mesma que não sabia dizer o que era. Os dias passavam
curtos, como se o tempo quisesse engolir suas intenções e seus sonhos por
completo... Os esforços já não condiziam com os resultados. Dar os próprios
passos em um mundo cheio de cobranças tornou-se algo doloroso. E não tinha sido
para isso mesmo que aquele mundo a criara? Para que pudesse seguir com os
próprios pés? Mas não, já não era possível. Apressar-se ou atrasar-se havia se transformado
em um suplício.
Apenas uma lembrança a
confortava. Uma imagem distante e tão próxima de si mesma, que era quase
possível tocá-la no infinito. Tão íntima e tão remota como as estrelas vistas
todas as noites no céu. Alguém com quem pudesse dividir seus verdadeiros sonhos,
anseios e paixões. Uma parte dela que, por estar sempre lá, não dava
importância; mas que conservava sua beleza tão única, tão singela, tão... sua.
Aconchegou-se ainda mais
na relva, sentindo o tato sobre a pele. Não fazia mais diferença onde estava,
em que tempo estava ou onde estaria dali alguns minutos. Tudo que importava era
o presente. Sentir-se no presente. Sem expectativas, sem medos, sem ilusões.
Sem se dar conta, o som da brisa nas árvores a levou a um estado de transe que
nunca antes havia experimentado. Nada que o ser humano era capaz de inventar poderia
proporcionar aquilo... Apenas aquele lugar, naquele estado de consciência.
Um riso de criança soou
ao seu redor, e ela despertou com um susto. Olhou em volta e viu uma pequena
menina, de seus 5 anos, fazendo tranças em seus cabelos. Por alguns segundos,
não ousou respirar. Em seguida, ficou preocupada e resolveu se aproximar da
menina.
- Olá, querida... Você
está perdida?
- Não estou não, sei bem
onde estou... E você, está perdida?
Ficou alguns segundos
analisando aquela figura que lhe parecia tão familiar, sem ousar retrucar a uma
frase tão segura de si. Reparou que tinha flores nos cabelos e uma caixinha de
música em seu colo.
Observou com que
dificuldade a pequena menina tentava fazer tranças nos próprios cabelos, e
resolveu ajudá-la... E essa abriu um sorriso de orelha à orelha.
- Só você mesmo poderia
saber exatamente como fazer! – disse a menina, contente.
Olhou em volta e não
havia mais ninguém. Pensou em saber onde estariam os pais da menina, mas foi
interrompida como se tivesse os pensamentos lidos.
- Não estou perdida, nem
sozinha. Este é meu lugar. Mas você me chamou aqui...
- Eu chamei você aqui?
- Sim. Quando desejou se
lembrar de quem você era.
Sem avisar, a menina
puxou-a pela mão e levou-a até cada uma das lembranças de sua infância... o
cheiro das maçãs recém-colhidas do pomar, o balanço de ferro rangendo após a
chuva forte, tanques de areia, bonecas de pano, o som do granizo batendo na
janela de vidro e os gritos pelo medo do trovão, banhos de piscina e lama,
viagens espaciais em foguetes feitos da rede na varanda, cada espetáculo e cada
ralado no joelho, entre pular muros e descer ruas de paralelepípedos de
bicicleta sem as mãos...
Uma lágrima rolou doída
de cada um dos seus olhos.
- Não chore. – disse a
menina. – Você não está perdida. É só não se esquecer... E você sempre poderá
estar aqui.
E, dando um grande
sorriso, deixou que as lágrimas se transformassem em pontes do arco-íris... em
cujo fim estava o tesouro de saber quem se é.
Em um passe de mágica, ela
acordou de seu transe com a certeza de nunca mais esquecer, ou sempre se
lembrar...
A partir dali,
caminhou... Mais adulta por ser a criança que sempre seria.
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