Utilizando...

Utilidade:
s.f. Qualidade de útil.
Objeto útil; emprego, uso, serventia.
Útil: adj. Que tem uso, préstimo ou serventia; que satisfaz uma necessidade. Que traz vantagem, proveito ou benefício;

Todos os textos aqui postados me foram úteis em alguma fase da vida. E têm uma utilidade atemporal, perpétua. Longe de pedir por aprovação ou pretenderem marcar o leitor em algum momento, estes textos desejam e objetivam a utilidade. Não pedem reconhecimento ou aplausos, amor ou ódio; A utilidade é livre para o pretexto, o texto que quiser. Querem, porém, seu respeito. Podem não ser de todo belos, éticos, saudáveis, proféticos. Mas pedem que, se utilizados, tenham sua autoria reconhecida, como um preço justo e nada caro. Leia, releia, use, utilize. Mas dê a eles o sobrenome, pois todos tem mãe.
Assim, faça deles o uso (ou a utilidade) que quiser.

Raquel Capucci


segunda-feira, 25 de março de 2013

It's Alright - Melissa Otto


Fechou os olhos como se o mundo não pudesse tocá-la. Deu a si mesma aquela pausa, tão necessária, para prestar atenção aos sons e cheiros que ainda não conhecia.

Deitou-se na relva como se a terra que seu corpo tocava fizesse parte dela, até o momento no qual pôde entender que, realmente, não havia diferença... Tudo, naquele momento, fazia parte de uma coisa só.

Há muito sentia uma falta dentro de si mesma que não sabia dizer o que era. Os dias passavam curtos, como se o tempo quisesse engolir suas intenções e seus sonhos por completo... Os esforços já não condiziam com os resultados. Dar os próprios passos em um mundo cheio de cobranças tornou-se algo doloroso. E não tinha sido para isso mesmo que aquele mundo a criara? Para que pudesse seguir com os próprios pés? Mas não, já não era possível. Apressar-se ou atrasar-se havia se transformado em um suplício.

Apenas uma lembrança a confortava. Uma imagem distante e tão próxima de si mesma, que era quase possível tocá-la no infinito. Tão íntima e tão remota como as estrelas vistas todas as noites no céu. Alguém com quem pudesse dividir seus verdadeiros sonhos, anseios e paixões. Uma parte dela que, por estar sempre lá, não dava importância; mas que conservava sua beleza tão única, tão singela, tão... sua.

Aconchegou-se ainda mais na relva, sentindo o tato sobre a pele. Não fazia mais diferença onde estava, em que tempo estava ou onde estaria dali alguns minutos. Tudo que importava era o presente. Sentir-se no presente. Sem expectativas, sem medos, sem ilusões. Sem se dar conta, o som da brisa nas árvores a levou a um estado de transe que nunca antes havia experimentado. Nada que o ser humano era capaz de inventar poderia proporcionar aquilo... Apenas aquele lugar, naquele estado de consciência.

Um riso de criança soou ao seu redor, e ela despertou com um susto. Olhou em volta e viu uma pequena menina, de seus 5 anos, fazendo tranças em seus cabelos. Por alguns segundos, não ousou respirar. Em seguida, ficou preocupada e resolveu se aproximar da menina.

- Olá, querida... Você está perdida?

- Não estou não, sei bem onde estou... E você, está perdida?

Ficou alguns segundos analisando aquela figura que lhe parecia tão familiar, sem ousar retrucar a uma frase tão segura de si. Reparou que tinha flores nos cabelos e uma caixinha de música em seu colo.

Observou com que dificuldade a pequena menina tentava fazer tranças nos próprios cabelos, e resolveu ajudá-la... E essa abriu um sorriso de orelha à orelha.

- Só você mesmo poderia saber exatamente como fazer! – disse a menina, contente.

Olhou em volta e não havia mais ninguém. Pensou em saber onde estariam os pais da menina, mas foi interrompida como se tivesse os pensamentos lidos.

- Não estou perdida, nem sozinha. Este é meu lugar. Mas você me chamou aqui...

- Eu chamei você aqui?

- Sim. Quando desejou se lembrar de quem você era.

Sem avisar, a menina puxou-a pela mão e levou-a até cada uma das lembranças de sua infância... o cheiro das maçãs recém-colhidas do pomar, o balanço de ferro rangendo após a chuva forte, tanques de areia, bonecas de pano, o som do granizo batendo na janela de vidro e os gritos pelo medo do trovão, banhos de piscina e lama, viagens espaciais em foguetes feitos da rede na varanda, cada espetáculo e cada ralado no joelho, entre pular muros e descer ruas de paralelepípedos de bicicleta sem as mãos...

Uma lágrima rolou doída de cada um dos seus olhos.

- Não chore. – disse a menina. – Você não está perdida. É só não se esquecer... E você sempre poderá estar aqui.

E, dando um grande sorriso, deixou que as lágrimas se transformassem em pontes do arco-íris... em cujo fim estava o tesouro de saber quem se é.

Em um passe de mágica, ela acordou de seu transe com a certeza de nunca mais esquecer, ou sempre se lembrar...

A partir dali, caminhou... Mais adulta por ser a criança que sempre seria.

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