Corria para poder
alcançar o que parecia inalcançável. Nem mesmo o vento contrário podia
impedi-la em sua intenção de chegar antes do tempo, sobrevoar a cidade com os pés
de Zéfiro...
Sabia que havia outros
meios melhores de conseguir chegar, que a levariam além das próprias intenções,
mas não conseguia mais pensar... somente sentir o aperto que a deixava quase
sem ar. Tinha que correr para poder respirar, correr para continuar vivendo.
Não podia e nem queria conter aquele sentimento arrebatador que a tomava por
completo.
Não sabia o que
aconteceria depois. Talvez aquela não fosse a melhor maneira, ou talvez tivesse
sido melhor deixar as coisas como estavam. Algumas palavras rudes, algumas
fotos jogadas ao vento do sexto andar... E já não teria mais aquela paz que
antes tivera, de poder ver roupas e vinis jogados pelo chão. A paz de estar
sozinha, aquela paz que ela tanto quisera durante os últimos meses, agora
parecia uma faca apunhalando-a pelas costas. Não era o que queria... Será que
era melhor deixar as coisas como estavam?...
Pensava... e corria. Não
era possível parar de correr. As pernas já seguiam sozinhas em direção ao
aeroporto. Esquecera as chaves do carro e do apartamento vazio. A mobília fria,
sem o calor dos corpos quentes de desejo em noites de outono, falava verdades
que ela não queria ouvir. Não tinha sido culpa de ninguém, cada um fizera o que
podia. Cada um agira de acordo com seus medos escondidos, esquecendo-se que em
algum ponto do meio estava o amor que cultivavam há pouco mais de dois anos. Cada
qual com suas feridas abertas, sangrando sobre letras de músicas que não eram
sua trilha sonora. Pararam de enxergar um ao outro para ver apenas a si mesmos
e sua culpa... Mas não tinha sido culpa de ninguém.
O vento soprava ainda
mais forte. No horizonte uma tempestade prateada se formava. A vontade de
Zéfiro a levava para frente... e ela sabia que chegaria, nem que fosse em
pedaços. Pequenos pedaços não recolhidos de si mesma. Não havia outro lugar que
queria estar a não ser naqueles braços que conhecia tão bem e ainda queria. Braços
que reconheceria pelo calor, pelo toque e pela intenção dentre milhões de outros.
Os que ela queria...
O vento soprava tão forte
quanto naquela tarde em que levara embora as imagens impressas de memórias que
ela conhecia tão bem... Mas que não queria mais.
Tinha que correr para
continuar respirando... respirar para continuar vivendo. Ainda que seu corpo
estivesse preparado para o esforço, a emoção conferia uma dificuldade a mais que
quase lhe turvava a visão. Não sabia se chegaria... E, se não chegasse,
perderia para sempre o que tanto queria. Olhos, lábios, cabelos, braços... uma
vida ainda não ocorrida, jogada pelo sexto andar. Uma força descomunal a empurrava
para frente, propulsionando-a como um míssil. Zéfiro e ela já eram um só...
Chegou ao aeroporto
ainda correndo... ainda respirando. Em um só pedaço colhido de si mesma. Mas
sabia que uma parte dela poderia partir a qualquer momento... E ela se partiria
em pedaços.
Não pensava, apenas
corria. Sequer se deu conta do rebuliço que causara atrás de si. Algumas
pessoas a seguiram... Mas ela e Zéfiro já eram um só, e ninguém conseguia alcançá-la...
seria como alcançar o inalcançável.
Chegou até a janela que
dava para a pista... e foi com desespero que pôde ver o avião partindo. Parte
de si mesma partiu-se em milhares de pedaços. Não sabia se os recolheria...
Apoiou-se sobre o vidro
e sentiu toda a estafa que a corrida conferia a seu corpo. Ouviu seus
perseguidores se aproximando, e foi num gesto de entrega que deixou que a
levassem para fora do aeroporto.
Pouco depois, já em um
pedaço amargo de si mesma, sentou-se em um ponto onde podia ver as nuvens
clareando diante de seus olhos. A chuva fora levada para longe pelo vento que
sua corrida produzira. Ela e Zéfiro eram um só...
- Você chegou atrasada.
Dentro dela pedaços se
juntavam. Ali estavam os olhos, lábios, cabelos e braços que ela tanto
buscara... E tanto queria. Deixou-se jogar e jorrar para dentro dele por meio dos
sentidos, sem dar-se conta do tempo.
- Por que você não me
disse nada?
- Porque eu sabia que
você viria...
- Você não queria ir
embora?
Ele tirou os bilhetes de
dentro do bolso do sobretudo.
- Você chegou atrasada. –
repetiu, e sorriu o sorriso dos lábios que ela tanto queria.
Ela o pegou pela mão e
correu até o portão de embarque.
E partiram nas asas de
Zéfiro, em um só pedaço.