Utilizando...

Utilidade:
s.f. Qualidade de útil.
Objeto útil; emprego, uso, serventia.
Útil: adj. Que tem uso, préstimo ou serventia; que satisfaz uma necessidade. Que traz vantagem, proveito ou benefício;

Todos os textos aqui postados me foram úteis em alguma fase da vida. E têm uma utilidade atemporal, perpétua. Longe de pedir por aprovação ou pretenderem marcar o leitor em algum momento, estes textos desejam e objetivam a utilidade. Não pedem reconhecimento ou aplausos, amor ou ódio; A utilidade é livre para o pretexto, o texto que quiser. Querem, porém, seu respeito. Podem não ser de todo belos, éticos, saudáveis, proféticos. Mas pedem que, se utilizados, tenham sua autoria reconhecida, como um preço justo e nada caro. Leia, releia, use, utilize. Mas dê a eles o sobrenome, pois todos tem mãe.
Assim, faça deles o uso (ou a utilidade) que quiser.

Raquel Capucci


sábado, 20 de outubro de 2012

TARDE


Ela sentou-se, radiante, à melhor mesa do lugar. Fez questão de não escolher a mesa da espera, ou a mesa do mosaico de sombras. Não. Hoje seria diferente. A mesa que escolhera era iluminada, próximo à vitrine que dava pra a rua, de onde era possível ver o vento brincando com as árvores.

Tudo parecia mais colorido para ela. Até mesmo o concreto que encapava a cidade, o brilho rude dos veículos e a fumaça negra que expeliam... Nada atrapalharia o seu momento de dar novo significado ao seu mundo.

Estava lindamente vestida, maquiada, perfumada. Logo ela, que nunca usava perfume... Ah, mas hoje seria diferente. Queria estar tão agradável aos sentidos dele como a mais bela e cheirosa das rosas. Queria ser colhida. Queria ser a escolhida...

Olhou o relógio. Havia chegado alguns minutos antes do horário, tamanha sua ansiedade. Mas hoje ela sabia que não esperaria. Talvez ele também chegasse antes...

Mirava para fora distraída, e os primeiros minutos passaram como pausas musicais. Sua respiração determinava o compasso do tempo...

Mas as pausas musicais se transformaram em um longo silêncio. O ar, antes abundante e cheio de vida, tornou-se rarefeito e entrava em seus pulmões com dificuldade. Dentro dela algo explodia, e ela sabia que era ruim.

Mais alguns minutos, e ela teve a sensação que seu corpo não reagiria. Não por não querer ir embora... Mas pela falta de energia, de disposição. Tudo parecia menos colorido, e o concreto, os veículos e a fumaça mancharam sua paisagem.

Estava cabisbaixa quando sentiu o toque em seu ombro. Ele veio! Ele finalmente veio!... Por alguns milésimos de segundo não teve coragem de olhar para trás. Seu coração não cabia mais em seu peito. Virou-se, de um só golpe, para a figura às suas costas.

O homem estendeu-lhe a mão com um arranjo de rosas. Eram vermelhas, como o sangue que corria como rios caudalosos em suas veias... Mas havia uma rosa amarela bem no meio do ramalhete. Estranhou, não entendeu claramente por quê. Foi então que mirou o rosto da mão que lhe entregava o presente.

- Com licença, senhorita. Alguém pediu que lhe entregasse isso.

Ela tirou das mãos do garçom as suas rosas. Não era aquele olhar, aquela voz, aquelas mãos, nem aquela frase que queria. Era ele quem ela queria... Ele não veio...

“Nunca fazer-te esperar
porque te achei.”

Ela repetia para si em pensamento a última estrofe do poema. Nunca fazer-te esperar... Mas ela continuava esperando! Lindamente vestida, maquiada, perfumada e com um ramalhete de rosas na mão. Com um mundo manchado pela ausência de cor. Seus pensamentos eram negros...

Tentou manter a calma. Apesar de sentir-se como uma adolescente, já não era uma. Era uma mulher madura. Uma mulher de trinta anos. Alguém que sabia o que queria. Confiou em si mesma. Levantou a cabeça... E inadvertidamente reparou no bilhete dentro do ramalhete.

 Leu. Releu. Uma lágrima rolou de seu olho esquerdo, marcando com uma mancha redonda o papel. Beijou os escritos feitos a próprio punho. Pegou um guardanapo e limpou os olhos. Olhos enxutos... Guardanapos são realmente úteis em dias de silêncio... E espera.

Pegou mais um guardanapo e escreveu:

“Por favor, venha logo. Acabe com essa minha espera... 
Eu te amo.”

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