“Eu pedi a ela para esperar.
Não sei se está esperando... ‘Calma’, foi o que eu disse. Mas será que ela
entendeu que, o que eu realmente queria, era um tempo para pensar? Um tempo
para sentir de novo a vida com o coração leve, com os olhos secos, com a alma
calma? Calma... Eu já nem sei o que é essa palavra. E agora estou aqui, rodando
de carro pela cidade como se não soubesse o endereço do local do nosso encontro.
Claro que sei, mas minha mente se recusa a lembrar! Preciso de mais tempo...
(...)
Já passei por esta
rua?... Sinto como se estivesse rodando em círculos. Com este carro, na minha
vida... E ainda não estou calmo. Melhor desligar o rádio, aproveitar o
silêncio... Daqui a pouco o silêncio será apenas uma lembrança. Ambos falando,
ambos ouvindo, mas não dizendo nem escutando nada...
(...)
Talvez hoje eu faça
diferente. Talvez fale o que estou sentindo, diga que a amo, que a quero para
sempre... Quantas vezes será que eu disse isso?... Será que alguma vez eu
disse... Para mim mesmo? Eu direi, e então fecharemos os olhos e nos
beijaremos. E não precisaremos dizer mais nada. De novo o silêncio... Esse
amigo que me sobra quando nada mais resta...
(...)
Não quero o silêncio de
ser solitário. Quero o silêncio de escutar sussurros, de ouvir a respiração
ofegante, de sentir o coração batendo... O silêncio de perceber detalhes. O
silêncio de vê-la crescer como a mulher que vejo, de fazê-la saber através de
gestos... Por que tantas palavras? Por que tantos pensamentos?...
(...)
As mulheres dizem que
pensamos demais e não agimos. Mas somente não agimos do jeito que elas querem.
E, quando pensamos em agir, ouvimos algo como: ‘você vai fazer isso mesmo?’, ou
‘quando é que você vai fazer isso?’... Cobranças. Os homens não lidam bem com
cobranças sobre sentimentos. Se alguém se adianta em fazer algo, e por vezes
faz até melhor, porque nos preocuparíamos em fazer? Elas dizem que não fazemos
nada, mas a verdade é que não sobra nada por fazer.
(...)
A verdade é que, por
mais que sejamos racionais, sentimos tudo. Sofremos como elas. Talvez até mais.
Nossos pensamentos são cheios de emoção. Se é verdade que homens e mulheres têm
dentro de si características do sexo oposto, no sofrimento as mulheres
racionalizam e os homens sentimentalizam. Os homens calam e as mulheres falam,
pois o sentimento é vivido no silêncio e a mente manifesta-se no ruído.
(...)
O semáforo abriu. O silêncio
me fez recobrar a razão. Já sei onde estou... Por que não liguei o GPS?... O
local é logo ali. Ainda tenho um tempo, pelo meu relógio... Será que ela está
lá me esperando?...
(...)
Não é possível, acho que
meu relógio está com a bateria fraca. O ponteiro está andando tão devagar...
Ainda não liguei o GPS... Estou atrasado!... Será que vou até lá? Talvez ela já
tenha ido embora... Ainda me pergunto se é o que quero. Dessa vez pode ser
decisivo. Pode ser a última vez que eu aproveite esse silêncio benigno... Espero
que ela esteja me esperando, e que nós possamos resolver as coisas. O impasse
massacra o silêncio, impede a voz de sair... Vou sair do carro.
(...)
Ainda está chovendo. O
vidro está embaçado, mas posso ver. Lá está ela. Será ela?... Está se
levantando. É ela! Preciso me apressar e entrar logo por aquela porta. Chega de
adiar, meu caro. A hora é agora... Maldito relógio!
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