Ele entra apressado,
ensopado por conta da chuva impetuosa. Seu relógio, sucumbindo à umidade,
finalmente para. As pessoas o observam com espanto, enquanto ele molha todo o
chão do lugar. Ela, ainda de pé olhando pelo vidro, parece atingida por um
raio, como quem tem uma revelação. Algo explodira dentro dela, mas ainda não
sabia se era bom ou ruim.
Ele tomou a iniciativa
de sentar-se a uma mesa ainda vazia. Não era a mesma em que ela permanecera
durante quase a noite toda, esperando por alguém que talvez não viesse. Mas ele
veio. Estava ali... Atrasado, apressado, ensopado... Coberto de silêncio dos
pés à cabeça. Seus sentimentos, ainda encobertos, não ousavam manifestar-se. Olhou
para a mesa, cúmplice de sua espera. Talvez já tivesse se acostumado a ela...
No entanto, despediu-se. Ou, pelo menos, deu um até breve. Nunca se sabe quando
estaremos em espera novamente...
Ela sentou-se também, à
frente dele. Aqueles poucos segundos entre uma ação e outra pareciam uma
eternidade. Uma mexida no cabelo, um limpar da água sobre a roupa, um tamborilar
de dedos sobre a mesa. O silêncio, benigno para ele, estendia seus tentáculos à
compreensão da moça, hipnotizada pela percepção dos ruídos. As mentes
despiam-se de ilusões, pouco a pouco. Não parecia que haviam provado de seu
gosto, de seu toque, de seu calor, de seu sexo poucos dias antes. Pareciam dois
estranhos, envolvidos de espera e silêncio.
- Oi. - diz ele.
- Oi. Achei que não
viesse mais...
Ele não responde, como
sempre.
- Então, o que você
decidiu? – foi ele quem falou, dessa vez.
- O que eu decidi?... Será
que depende só da minha decisão?
Ele, calado, como se
ouvisse apenas os próprios pensamentos.
- Eu te pedi calma.
Queria um tempo...
- E eu dei um tempo. E
esperei, como você pediu...
- Esperou?... Só a
espera não basta.
Ela sentiu seu
sacrifício menosprezado. Gostava que levassem a sério suas desgraças, seus
esforços, seu sofrimento.
- E o que mais você
queria que eu fizesse?!
- Tomar uma decisão. Resolver
o que você quer.
- Você já sabe o que
quero...
Ele, mudo, ouvindo agora
apenas o silêncio e a respiração ofegante dela. Não de paixão, mas de desgosto.
- Mas... Eu nunca ouvi.
Você me quer? Você quer que fiquemos juntos? Você... – Ele se perde em seus
pensamentos de fuga. - ...Quer que eu peça alguma coisa pra você beber?
- Não quero beber nada.
Ele tinha a garganta
seca.
- Água, por favor.
A água chega... Da
bandeja prateada e do céu carregado. Chovia mais do que nunca. O lugar enchia e
esvaziava com a chuva. Um estrondoso trovão fez apagarem-se as luzes de parte
da cidade. Uma vela é colocada sobre a mesa. Nenhum dos dois fuma. Ele se
adianta.
- Fogo, por favor.
A vela acesa cintila a
fria madeira da mesa, agora desenhada por um mosaico vivo de sombras. O lugar ganha
vida com todas as velas acesas sobre as mesas. Não é mais possível ver
nitidamente as expressões nos rostos. Não há mais música ambiente. Silêncio e
penumbra são os novos convidados. A conversa muda.
- Então... – diz ela.
- Então... – diz ele.
- Eu... Quero dizer,
você...
- Você já se decidiu?
- Eu esperei. Eu fiquei
calma.
- Eu tirei um tempo.
- Eu te dei esse
tempo...
- Eu pedi pra você
esperar e ficar calma.
Silêncio. Olhares sobre
as sombras desenhadas. Sombras desenhando a fria madeira da mesa. O teatro de
sombras não interpretava, mas dirigia a vontade dos corpos em unirem-se e não
mais falarem. Ela queria. Ele queria. Dois corpos e dois corações. Pulsando por
uma resposta.
- E você, se decidiu?
Ele ficou surpreso.
- Eu?
- Sim. Você me pergunta
se eu já me decidi... E você, já se decidiu?
- Eu... Fiquei um
tempo... Esperando por uma resposta.
- Esperando?
- Sim, esperando.
Ela agora entendia.
- E eu... Fiquei um
tempo... Em silêncio, ouvindo meus pensamentos.
- Em silêncio?
- Sim, em silêncio.
Ele agora entendia.
- Nós... Vamos esperar e
ficar em silêncio para sempre?
Ela não respondeu, pela
primeira vez.
- Eu... Eu não sei...
Falamos e nunca dizemos nada.
- Ouvimos e nunca
escutamos nada...
Silêncio.
- Sabe... Você sabe que
eu...
- Sei?
- Você sabe.
- Não, não sei...
Penumbra.
“Hoje eu quis fazer diferente.
Fiquei Calma. Esperei o quanto pude. Quase fui embora. Esperei por mais cinco
minutos. Cinco não, dez. Hoje eu queria que fosse a última vez: sem mais
espera. Que o nosso encontro acontecesse e que fosse tão surpreendente e
impetuoso quanto a chuva. Que fosse definitivo. Você me pediu calma... Mas não
veio.”
“Ah, não. Desculpa, hoje
não dá. Converso contigo depois. Você terá muitas razões pra me odiar, mas hoje
não. Preciso de mais tempo...”
Não disseram nada.
Ela colocou a bolsa
sobre o ombro e saiu, no meio da chuva.
Ele ligou o carro e
partiu, no meio da chuva.
Sobre a vela, uma gota
caiu. Era uma lágrima vinda do céu. Os deuses já não entendiam sua criação...
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