“Sorri. Li aquele poema
mais de um milhão de vezes.”
Já não se lembrava mais da
noite desperdiçada pelo choro no travesseiro. Não se lembrava mais da espera,
da vela e das sombras sobre a madeira fria... Da despedida... Do pedido por
tempo. Somente dos faróis de um carro estacionado em sua direção e um beijo sob
a chuva.
“Não. Talvez eu esteja
inebriada de amor e tenha perdido a razão. Terei imaginado tudo? Mas meu corpo
ainda lateja com a presença dele, com o seu toque suave sobre a minha pele, o
entusiasmo da força do seu abraço...
Ele me disse para
esperar, mas me disse que só a espera não basta. Talvez ele queira a entrega.
Será que entregar o meu tempo em espera não é o suficiente? Estive e estou
totalmente entregue, quero estar com ele entre meus braços, entre meus lençóis
e meus escritos. Quero levá-lo ao máximo da emoção, fazê-lo crescer, ser sua
companheira e amiga... Por que ele não vem logo? Não quero que desista...
(...)
Tenho medo. Medo de
ficar sem ele... Não me importa seu silêncio, nossas diferenças. Se a divindade
escreve mesmo certo por linhas tortas, como dizem, talvez tenha entortado
nossos caminhos para que pudéssemos nos encontrar. Afinal, andar sempre em
frente não tem graça alguma... E não se pode ir muito longe...
(...)
Como é difícil entregar-se!
Um misto de excitação e temor. Talvez ele também sinta isso... Mas seu poema
foi a primeira entrega. Uma primeira grande entrega. A quebra do seu silêncio.
Ele quer me ver. Quer me ver! Hoje, na hora do almoço. Ele me perguntou se
estou livre...
Livre, meu amor, somente
esperando que você me encontre!
(...)
Sinto um pouco de raiva,
mas que não chega nem mesmo a manchar de cinza o colorido dos meus sentimentos
por ele. Sinto-me como uma adolescente de novo! Riscando corações por toda
parte. Riscando meu coração com seu nome. Entornando poemas. Dando asas a
sonhos. Talvez eu realmente esteja perdendo a razão...
(...)
Ele disse que também esperou
por mim, que procurou por mim. Trinta anos... Mas algo transcende a busca e a
espera. Algo que não se mistura mais à paixão, ainda que ela seja a tinta usada
para pincelar sentimentos. Já transcendemos a paixão. Queremos descobrir
detalhes antes não vistos, com os olhos de criança que percebem tudo. Que sabem
tudo. Para crescermos juntos...”
Digitou algumas letras
sobre a tela.
“Me encontre no mesmo lugar,
às 13 horas.
Te espero...
Um beijo,
Raquel”
Desligou o computador. Nada
mais tinha de raiva. Sorria como uma criança...
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