Ele pensou nela a tarde
inteira. Sabia que o chamado era verdade e que não podia, mais uma vez,
deixá-la esperar. Mal conseguia trabalhar, olhando pela janela do edifício como
quem pudesse lançar-se pela cidade em pensamento e sentir, mesmo à distância, o
coração da mulher que queria ter sua espera terminada por ele...
Embora aquela paixão
epistolar, nunca antes vivida, o entusiasmasse, queria mais. Queria suas
pausas, queria se expor. Não tinha pressa, nunca teve, mas não lhe parecia
justo entrar assim, sem pedir licença, mudar sua vida e fazê-la acreditar que
viria, pedir calma a alguém que esperava e, mesmo assim, continuar em silêncio,
manter-se longe, oculto.
“Num mundo de enganos e
disfarces”, pensou ele, “preciso deixar claro quem sou e a que vim. Desejo um
dia novo, sem nuvens, solar. Ela merece isso.”
Resolveu que não haveria
ninguém entre eles, nem garçom, nem personagem. Decidiu, sem consultá-la, que a
história mudaria: ela não seria escrita, seria vivida.
Escreveu mais um poema.
Guardou-o. Tudo agora seria dito pessoalmente.
(...)
Ela deixou o lugar como
quem sai de um templo. Depositou, naquele momento, toda sua fé no amor, todo
seu alento e a esperança em ver o sol novamente.
Não queria mais esperar...
Ainda assim, entendia que a vida precisava ser escrita com espaços entre uma
fala e outra, com lacunas benignas de tempo entre um sentimento e outro. A
natureza, em sua sabedoria, sabia agir daquela forma: rompendo a semente, dando
abertura à flor... E a uma nova vida.
“Num mundo onde somos
obrigados a seguir um compasso que não é o nosso”, pensou ela, “suave é saber
que podemos viver unidos em um ritmo próprio.”
Ao chegar em casa
naquela noite, ela fez o que melhor sabia fazer: esperar. E esperou... Até que,
compelida por uma força tirada do âmago do seu ser, decidiu não mais esperar.
Afinal, ambos já haviam esperado tanto! Mal sabia ela que, não muito longe
dali, ele tomava a mesma decisão.
Já era madrugada da
segunda-feira quando, trôpega, levantou da cama e escreveu o mais rápido que
pôde:
“Quero te ver hoje, às
14hs, naquele nosso lugar à beira do lago. Poder ver novamente o vento
brincando com as árvores, ignorando a fumaça negra dos carros que atravessam a
ponte curva e sem arcos bem ao lado, para alcançar um ritmo que não é o seu. Eu, do
contrário, em meu ritmo te esperarei em silêncio.”
Quase simultaneamente,
ele respondeu:
“Estarei lá. Espere por
mim.”
Depois daquilo demoraram
a dormir, mesmo sabendo do dia cheio que os esperava.
(...)
Era um dia de sol,
inusitado após uma semana nublada na época de chuvas. Ela olhava as águas do
lago, que cintilavam em um brilho diferente naquele início de tarde. O ar era
fresco e úmido, e as árvores, dançando delicadamente em parceria com o suave
vento, pareciam sorrir.
“É preciso chuva para
florir...”, pensava ela.
Ao longe, bem ao longe
na cidade, pensou ter visto um arco-íris se formando.
Não foi preciso esperar
muito. Ele já havia decidido por não haver mais intermediários entre eles. Observou-a
por um momento de longe, como se ela fizesse parte da paisagem. Seus cabelos
acobreados eram suavemente bagunçados pelo vento, o que dava um ar bucólico
àquela cena.
Aproximou-se lentamente,
como que para não perturbar o momento. Andaria em um ritmo próprio. Afinal não
tinha pressa, nunca tivera...
Não foi preciso a mão
sobre o ombro. Ela virou-se com um meio sorriso, um olhar de lado... Mas, dessa
vez, sem palavras.
Em suas mãos ele trazia
o poema escrito e uma rosa amarela.
Ao se encontrarem, deram-se
as mãos, em uma atitude de reverência ao sentimento que pulsava em seu coração.
Era algo conhecido, mas ao mesmo tempo novo...
Ela recolheu o poema
como quem recebe uma carta de alforria. Leu. Releu. Dobrou-o e o guardou como
quem guarda um tesouro. Colheu a rosa das mãos dele, como quem recebe o próprio
sopro de vida. O meio sorriso transformou-se em um sorriso completo. O olhar de
lado num olhar direto. Ela baixou os olhos por um momento em uma atitude
tímida, mas ele levantou seu rosto com as pontas dos dedos sobre seu queixo.
Beijaram-se ao ritmo do
vento e do coração. Enlaçaram-se em um abraço na esperança de nunca mais soltar.
Se viveriam felizes para
sempre? Nem mesmo os deuses sabiam. Tudo apenas aconteceria da forma como
narrariam sua história...
Algo explodia dentro
deles, e eles sabiam que era bom...
(...)