Utilizando...

Utilidade:
s.f. Qualidade de útil.
Objeto útil; emprego, uso, serventia.
Útil: adj. Que tem uso, préstimo ou serventia; que satisfaz uma necessidade. Que traz vantagem, proveito ou benefício;

Todos os textos aqui postados me foram úteis em alguma fase da vida. E têm uma utilidade atemporal, perpétua. Longe de pedir por aprovação ou pretenderem marcar o leitor em algum momento, estes textos desejam e objetivam a utilidade. Não pedem reconhecimento ou aplausos, amor ou ódio; A utilidade é livre para o pretexto, o texto que quiser. Querem, porém, seu respeito. Podem não ser de todo belos, éticos, saudáveis, proféticos. Mas pedem que, se utilizados, tenham sua autoria reconhecida, como um preço justo e nada caro. Leia, releia, use, utilize. Mas dê a eles o sobrenome, pois todos tem mãe.
Assim, faça deles o uso (ou a utilidade) que quiser.

Raquel Capucci


domingo, 9 de dezembro de 2012

Compasso


Ouço por entre suas canções
A verdade que emana
De um sonho com suas razões:
Um olhar distante,
a sensação surreal de um beijo.
Virtudes virtuais em palavras,
Nada mais que o amor não faça
Com duas almas que se encontram
Em desejos, enquanto o tempo não passa...

O tempo...
Esse mesmo tempo benigno,
Que amadurece os planos
E revela ao poucos o destino,
Impõe a mim agora seu sermão:
Se não posso tê-lo senão por um instante,
Que seja ele então leve e profundo,
E que carregue em si a força de um mundo...

Ter o eterno em um apego terno,
Soprar-lhe quem sou ao pé do ouvido:
Sinta as palavras sem sentido
Abrindo caminhos em seu coração!
E mesmo que ainda estranho pareça
Que o amor amadureça
Pelo sim e nunca pelo não...

Meu maior desejo,
Selado pelo beijo em real sensação,
Torna-se corpo ante meus olhos:
Tocar seus pensamentos,
Acarinhar seus sentimentos,
Sentir o calor da sua emoção...

Quero soar-lhe aos sentidos
Leve como a brisa da manhã:
Sedutora cortesã de amores vibrantes,
Artesã dos sonhos dos amantes
De ontem, hoje e amanhã...

Se tivesse apenas um pedido a fazer,
Somente um, enfim seria:
Olha, a história agora se inicia!
Basta seguir, se assim for seu querer...

Não quero muito, além de tanto:
Acariciar-lhe a face, cessar seu choro,
Cobrir-lhe de música, ouvir seus sons...

Derramar baldes de amor e amizade em mil tons!

Não quero sempre saber o próximo passo,
Mas criar de dois um único compasso:

Com paciência, ser compassivamente...

Sua.



Brasília, 09 de dezembro de 2012.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

O Silêncio e a Espera


Ainda inquieto,
Meu coração dá voltas.
Espera em linhas tortas
Pela promessa do dia solar,
Que despontará em poucas horas
No colorido de um novo horizonte...

Ao toque de recolher,
Suave como uma canção de ninar,
Tua voz colhe sonhos antes perdidos,
Transformando a espera em confiança,
E o futuro à espera logo ali defronte...

Prender-se por vontade em uma redoma
De palavras, de paisagens,
De loucuras
Que nos fazem sair do conforto sem confronto!

Com a vontade de conhecer um novo dia novo...

Dar passagem para lançar-se, abrir-se,
Aguar-se de sonhos que se realizam,
De dúvidas que se dissolvem
Em cada pétala do novo sentimento!

E a Lua é Nova em cada nova noite sábia...

Saiba...
Se a chuva vier antes do Sol,
Não virá em choro, em lágrimas de não ver o dia.
Virá para umedecer lembranças
E germinar esperanças depois de longas esperas...

O silêncio e a espera...
Você silêncio, eu espera.
Esses nossos primeiros grandes mestres,
Mostram-nos o óbvio...

Amemos
Em silêncio,
E esperemos,
Juntos,
Por um fim que nunca virá...

Brasília, 30 de outubro de 2012.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

(RE)COMEÇO


Ele pensou nela a tarde inteira. Sabia que o chamado era verdade e que não podia, mais uma vez, deixá-la esperar. Mal conseguia trabalhar, olhando pela janela do edifício como quem pudesse lançar-se pela cidade em pensamento e sentir, mesmo à distância, o coração da mulher que queria ter sua espera terminada por ele...

Embora aquela paixão epistolar, nunca antes vivida, o entusiasmasse, queria mais. Queria suas pausas, queria se expor. Não tinha pressa, nunca teve, mas não lhe parecia justo entrar assim, sem pedir licença, mudar sua vida e fazê-la acreditar que viria, pedir calma a alguém que esperava e, mesmo assim, continuar em silêncio, manter-se longe, oculto.

“Num mundo de enganos e disfarces”, pensou ele, “preciso deixar claro quem sou e a que vim. Desejo um dia novo, sem nuvens, solar. Ela merece isso.”

Resolveu que não haveria ninguém entre eles, nem garçom, nem personagem. Decidiu, sem consultá-la, que a história mudaria: ela não seria escrita, seria vivida.

Escreveu mais um poema. Guardou-o. Tudo agora seria dito pessoalmente.

(...)

Ela deixou o lugar como quem sai de um templo. Depositou, naquele momento, toda sua fé no amor, todo seu alento e a esperança em ver o sol novamente.

Não queria mais esperar... Ainda assim, entendia que a vida precisava ser escrita com espaços entre uma fala e outra, com lacunas benignas de tempo entre um sentimento e outro. A natureza, em sua sabedoria, sabia agir daquela forma: rompendo a semente, dando abertura à flor... E a uma nova vida.

“Num mundo onde somos obrigados a seguir um compasso que não é o nosso”, pensou ela, “suave é saber que podemos viver unidos em um ritmo próprio.”

Ao chegar em casa naquela noite, ela fez o que melhor sabia fazer: esperar. E esperou... Até que, compelida por uma força tirada do âmago do seu ser, decidiu não mais esperar. Afinal, ambos já haviam esperado tanto! Mal sabia ela que, não muito longe dali, ele tomava a mesma decisão.

Já era madrugada da segunda-feira quando, trôpega, levantou da cama e escreveu o mais rápido que pôde:

“Quero te ver hoje, às 14hs, naquele nosso lugar à beira do lago. Poder ver novamente o vento brincando com as árvores, ignorando a fumaça negra dos carros que atravessam a ponte curva e sem arcos bem ao lado, para alcançar um ritmo que não é o seu. Eu, do contrário, em meu ritmo te esperarei em silêncio.”

Quase simultaneamente, ele respondeu:

“Estarei lá. Espere por mim.”

Depois daquilo demoraram a dormir, mesmo sabendo do dia cheio que os esperava.

(...)

Era um dia de sol, inusitado após uma semana nublada na época de chuvas. Ela olhava as águas do lago, que cintilavam em um brilho diferente naquele início de tarde. O ar era fresco e úmido, e as árvores, dançando delicadamente em parceria com o suave vento, pareciam sorrir.

“É preciso chuva para florir...”, pensava ela.

Ao longe, bem ao longe na cidade, pensou ter visto um arco-íris se formando.

Não foi preciso esperar muito. Ele já havia decidido por não haver mais intermediários entre eles. Observou-a por um momento de longe, como se ela fizesse parte da paisagem. Seus cabelos acobreados eram suavemente bagunçados pelo vento, o que dava um ar bucólico àquela cena.

Aproximou-se lentamente, como que para não perturbar o momento. Andaria em um ritmo próprio. Afinal não tinha pressa, nunca tivera...

Não foi preciso a mão sobre o ombro. Ela virou-se com um meio sorriso, um olhar de lado... Mas, dessa vez, sem palavras.

Em suas mãos ele trazia o poema escrito e uma rosa amarela.

Ao se encontrarem, deram-se as mãos, em uma atitude de reverência ao sentimento que pulsava em seu coração. Era algo conhecido, mas ao mesmo tempo novo...

Ela recolheu o poema como quem recebe uma carta de alforria. Leu. Releu. Dobrou-o e o guardou como quem guarda um tesouro. Colheu a rosa das mãos dele, como quem recebe o próprio sopro de vida. O meio sorriso transformou-se em um sorriso completo. O olhar de lado num olhar direto. Ela baixou os olhos por um momento em uma atitude tímida, mas ele levantou seu rosto com as pontas dos dedos sobre seu queixo.

Beijaram-se ao ritmo do vento e do coração. Enlaçaram-se em um abraço na esperança de nunca mais soltar.

Se viveriam felizes para sempre? Nem mesmo os deuses sabiam. Tudo apenas aconteceria da forma como narrariam sua história...

Algo explodia dentro deles, e eles sabiam que era bom...


(...)

sábado, 20 de outubro de 2012

ELA (2)


“Sorri. Li aquele poema mais de um milhão de vezes.”

Já não se lembrava mais da noite desperdiçada pelo choro no travesseiro. Não se lembrava mais da espera, da vela e das sombras sobre a madeira fria... Da despedida... Do pedido por tempo. Somente dos faróis de um carro estacionado em sua direção e um beijo sob a chuva.

“Não. Talvez eu esteja inebriada de amor e tenha perdido a razão. Terei imaginado tudo? Mas meu corpo ainda lateja com a presença dele, com o seu toque suave sobre a minha pele, o entusiasmo da força do seu abraço...
Ele me disse para esperar, mas me disse que só a espera não basta. Talvez ele queira a entrega. Será que entregar o meu tempo em espera não é o suficiente? Estive e estou totalmente entregue, quero estar com ele entre meus braços, entre meus lençóis e meus escritos. Quero levá-lo ao máximo da emoção, fazê-lo crescer, ser sua companheira e amiga... Por que ele não vem logo? Não quero que desista...

(...)

Tenho medo. Medo de ficar sem ele... Não me importa seu silêncio, nossas diferenças. Se a divindade escreve mesmo certo por linhas tortas, como dizem, talvez tenha entortado nossos caminhos para que pudéssemos nos encontrar. Afinal, andar sempre em frente não tem graça alguma... E não se pode ir muito longe...

(...)

Como é difícil entregar-se! Um misto de excitação e temor. Talvez ele também sinta isso... Mas seu poema foi a primeira entrega. Uma primeira grande entrega. A quebra do seu silêncio. Ele quer me ver. Quer me ver! Hoje, na hora do almoço. Ele me perguntou se estou livre...
Livre, meu amor, somente esperando que você me encontre!

(...)

Sinto um pouco de raiva, mas que não chega nem mesmo a manchar de cinza o colorido dos meus sentimentos por ele. Sinto-me como uma adolescente de novo! Riscando corações por toda parte. Riscando meu coração com seu nome. Entornando poemas. Dando asas a sonhos. Talvez eu realmente esteja perdendo a razão...

(...)

Ele disse que também esperou por mim, que procurou por mim. Trinta anos... Mas algo transcende a busca e a espera. Algo que não se mistura mais à paixão, ainda que ela seja a tinta usada para pincelar sentimentos. Já transcendemos a paixão. Queremos descobrir detalhes antes não vistos, com os olhos de criança que percebem tudo. Que sabem tudo. Para crescermos juntos...”

Digitou algumas letras sobre a tela.

“Me encontre no mesmo lugar, às 13 horas.
Te espero...

Um beijo,
Raquel”

Desligou o computador. Nada mais tinha de raiva. Sorria como uma criança...

TARDE


Ela sentou-se, radiante, à melhor mesa do lugar. Fez questão de não escolher a mesa da espera, ou a mesa do mosaico de sombras. Não. Hoje seria diferente. A mesa que escolhera era iluminada, próximo à vitrine que dava pra a rua, de onde era possível ver o vento brincando com as árvores.

Tudo parecia mais colorido para ela. Até mesmo o concreto que encapava a cidade, o brilho rude dos veículos e a fumaça negra que expeliam... Nada atrapalharia o seu momento de dar novo significado ao seu mundo.

Estava lindamente vestida, maquiada, perfumada. Logo ela, que nunca usava perfume... Ah, mas hoje seria diferente. Queria estar tão agradável aos sentidos dele como a mais bela e cheirosa das rosas. Queria ser colhida. Queria ser a escolhida...

Olhou o relógio. Havia chegado alguns minutos antes do horário, tamanha sua ansiedade. Mas hoje ela sabia que não esperaria. Talvez ele também chegasse antes...

Mirava para fora distraída, e os primeiros minutos passaram como pausas musicais. Sua respiração determinava o compasso do tempo...

Mas as pausas musicais se transformaram em um longo silêncio. O ar, antes abundante e cheio de vida, tornou-se rarefeito e entrava em seus pulmões com dificuldade. Dentro dela algo explodia, e ela sabia que era ruim.

Mais alguns minutos, e ela teve a sensação que seu corpo não reagiria. Não por não querer ir embora... Mas pela falta de energia, de disposição. Tudo parecia menos colorido, e o concreto, os veículos e a fumaça mancharam sua paisagem.

Estava cabisbaixa quando sentiu o toque em seu ombro. Ele veio! Ele finalmente veio!... Por alguns milésimos de segundo não teve coragem de olhar para trás. Seu coração não cabia mais em seu peito. Virou-se, de um só golpe, para a figura às suas costas.

O homem estendeu-lhe a mão com um arranjo de rosas. Eram vermelhas, como o sangue que corria como rios caudalosos em suas veias... Mas havia uma rosa amarela bem no meio do ramalhete. Estranhou, não entendeu claramente por quê. Foi então que mirou o rosto da mão que lhe entregava o presente.

- Com licença, senhorita. Alguém pediu que lhe entregasse isso.

Ela tirou das mãos do garçom as suas rosas. Não era aquele olhar, aquela voz, aquelas mãos, nem aquela frase que queria. Era ele quem ela queria... Ele não veio...

“Nunca fazer-te esperar
porque te achei.”

Ela repetia para si em pensamento a última estrofe do poema. Nunca fazer-te esperar... Mas ela continuava esperando! Lindamente vestida, maquiada, perfumada e com um ramalhete de rosas na mão. Com um mundo manchado pela ausência de cor. Seus pensamentos eram negros...

Tentou manter a calma. Apesar de sentir-se como uma adolescente, já não era uma. Era uma mulher madura. Uma mulher de trinta anos. Alguém que sabia o que queria. Confiou em si mesma. Levantou a cabeça... E inadvertidamente reparou no bilhete dentro do ramalhete.

 Leu. Releu. Uma lágrima rolou de seu olho esquerdo, marcando com uma mancha redonda o papel. Beijou os escritos feitos a próprio punho. Pegou um guardanapo e limpou os olhos. Olhos enxutos... Guardanapos são realmente úteis em dias de silêncio... E espera.

Pegou mais um guardanapo e escreveu:

“Por favor, venha logo. Acabe com essa minha espera... 
Eu te amo.”

ELE (2)


“Raquel,

Nenhuma palavra poderá tirar-lhe o sofrimento pelo qual passou hoje. Sou culpado... Mas ainda assim não tenho culpa. Somos seres humanos, imperfeitos. Sei que quero conhecê-la e amá-la como merece... Mas algo ainda me impede de tentar. Quero entender porque, por que depois de tanto procurar ao achar aquela que cessaria minha busca eu simplesmente não consigo agir?...
Eu sou teu. Serei teu. Estarei contigo, porque te achei. Mas nosso amor precisa amadurecer no silêncio e na espera para poder florescer. Tu, linda rosa, sabes disso...

POEMA PARA A LINDA ROSA

Entre muitas e entre tantas,
Uma pessoa qualquer a confundiria,
E por comum te tomaria:

‘Não é nada mais que uma simples rosa.
Há milhões...’

Mas milhões de anos luz
Não seriam suficientes para que me confundisse!...

Meu amor persiste...

Em algum ponto do universo,
onde o tempo dedica-se à rosa,
Ela me espera...

Um amor que na distância se supera!
Supõe milhões de desculpas
Mas propõe o consumar-se em escrituras!

Todos os poemas a ti, ó rosa!
Tu que és bela como nenhuma outra,
Concede a quem te observa em silêncio o perdão:

És para mim a única em meu mundo...

Destaca-te do profano
Em um amarelo profundo,
Como o raiar do dia expurgando a escuridão...

Beijos,
do Frederico”

Dentro do carro, esperava ansioso pela confirmação do garçom. Ficou surpreso ao receber de seu mensageiro um guardanapo com alguns escritos.

Leu. Releu. Respirou profundamente. Não sabia mais dizer por que não tinha ido. Tudo era muito conhecido, mas ao mesmo tempo novo para ele. Queria estar com ela, amava-a mais do que tudo... Era sincero em seus poemas. Mas algo ainda o prendia. Por que não ia lá e acabava de vez com aquela espera? Com aquele silêncio, apenas quebrado pelos escritos a próprio punho no papel?...

Não soube responder.

Ligou o carro e seguiu de volta ao trabalho. Do rádio emprestou a voz de Rosa... Samuel. Talvez um parente de Noel. Deixou-se levar pela canção. Profunda e tão apropriada... Mas alegre. Não era dia de tristeza.

“Virá com ela que entrega
Virá, sim, assim virá que eu vi
Virá ou ela me espera
Virá, pois ela está ali” 


quinta-feira, 18 de outubro de 2012

DOIS (UM)


Ele entra apressado, ensopado por conta da chuva impetuosa. Seu relógio, sucumbindo à umidade, finalmente para. As pessoas o observam com espanto, enquanto ele molha todo o chão do lugar. Ela, ainda de pé olhando pelo vidro, parece atingida por um raio, como quem tem uma revelação. Algo explodira dentro dela, mas ainda não sabia se era bom ou ruim.
Ele tomou a iniciativa de sentar-se a uma mesa ainda vazia. Não era a mesma em que ela permanecera durante quase a noite toda, esperando por alguém que talvez não viesse. Mas ele veio. Estava ali... Atrasado, apressado, ensopado... Coberto de silêncio dos pés à cabeça. Seus sentimentos, ainda encobertos, não ousavam manifestar-se. Olhou para a mesa, cúmplice de sua espera. Talvez já tivesse se acostumado a ela... No entanto, despediu-se. Ou, pelo menos, deu um até breve. Nunca se sabe quando estaremos em espera novamente...
Ela sentou-se também, à frente dele. Aqueles poucos segundos entre uma ação e outra pareciam uma eternidade. Uma mexida no cabelo, um limpar da água sobre a roupa, um tamborilar de dedos sobre a mesa. O silêncio, benigno para ele, estendia seus tentáculos à compreensão da moça, hipnotizada pela percepção dos ruídos. As mentes despiam-se de ilusões, pouco a pouco. Não parecia que haviam provado de seu gosto, de seu toque, de seu calor, de seu sexo poucos dias antes. Pareciam dois estranhos, envolvidos de espera e silêncio.

- Oi. - diz ele.
- Oi. Achei que não viesse mais...

Ele não responde, como sempre.

- Então, o que você decidiu? – foi ele quem falou, dessa vez.
- O que eu decidi?... Será que depende só da minha decisão?

Ele, calado, como se ouvisse apenas os próprios pensamentos.

- Eu te pedi calma. Queria um tempo...
- E eu dei um tempo. E esperei, como você pediu...
- Esperou?... Só a espera não basta.

Ela sentiu seu sacrifício menosprezado. Gostava que levassem a sério suas desgraças, seus esforços, seu sofrimento.

- E o que mais você queria que eu fizesse?!
- Tomar uma decisão. Resolver o que você quer.
- Você já sabe o que quero...

Ele, mudo, ouvindo agora apenas o silêncio e a respiração ofegante dela. Não de paixão, mas de desgosto.

- Mas... Eu nunca ouvi. Você me quer? Você quer que fiquemos juntos? Você... – Ele se perde em seus pensamentos de fuga. - ...Quer que eu peça alguma coisa pra você beber?

- Não quero beber nada.

Ele tinha a garganta seca.

- Água, por favor.

A água chega... Da bandeja prateada e do céu carregado. Chovia mais do que nunca. O lugar enchia e esvaziava com a chuva. Um estrondoso trovão fez apagarem-se as luzes de parte da cidade. Uma vela é colocada sobre a mesa. Nenhum dos dois fuma. Ele se adianta.

- Fogo, por favor.

A vela acesa cintila a fria madeira da mesa, agora desenhada por um mosaico vivo de sombras. O lugar ganha vida com todas as velas acesas sobre as mesas. Não é mais possível ver nitidamente as expressões nos rostos. Não há mais música ambiente. Silêncio e penumbra são os novos convidados. A conversa muda.

- Então... – diz ela.
- Então... – diz ele.
- Eu... Quero dizer, você...
- Você já se decidiu?
- Eu esperei. Eu fiquei calma.
- Eu tirei um tempo.
- Eu te dei esse tempo...
- Eu pedi pra você esperar e ficar calma.

Silêncio. Olhares sobre as sombras desenhadas. Sombras desenhando a fria madeira da mesa. O teatro de sombras não interpretava, mas dirigia a vontade dos corpos em unirem-se e não mais falarem. Ela queria. Ele queria. Dois corpos e dois corações. Pulsando por uma resposta.

- E você, se decidiu?

Ele ficou surpreso.

- Eu?
- Sim. Você me pergunta se eu já me decidi... E você, já se decidiu?
- Eu... Fiquei um tempo... Esperando por uma resposta.
- Esperando?
- Sim, esperando.

Ela agora entendia.

- E eu... Fiquei um tempo... Em silêncio, ouvindo meus pensamentos.
- Em silêncio?
- Sim, em silêncio.

Ele agora entendia.

- Nós... Vamos esperar e ficar em silêncio para sempre?

Ela não respondeu, pela primeira vez.

- Eu... Eu não sei... Falamos e nunca dizemos nada.
- Ouvimos e nunca escutamos nada...

Silêncio.

- Sabe... Você sabe que eu...
- Sei?
- Você sabe.
- Não, não sei...

Penumbra.

“Hoje eu quis fazer diferente. Fiquei Calma. Esperei o quanto pude. Quase fui embora. Esperei por mais cinco minutos. Cinco não, dez. Hoje eu queria que fosse a última vez: sem mais espera. Que o nosso encontro acontecesse e que fosse tão surpreendente e impetuoso quanto a chuva. Que fosse definitivo. Você me pediu calma... Mas não veio.”

“Ah, não. Desculpa, hoje não dá. Converso contigo depois. Você terá muitas razões pra me odiar, mas hoje não. Preciso de mais tempo...”


Não disseram nada.

Ela colocou a bolsa sobre o ombro e saiu, no meio da chuva.

Ele ligou o carro e partiu, no meio da chuva.

Sobre a vela, uma gota caiu. Era uma lágrima vinda do céu. Os deuses já não entendiam sua criação...

DOIS (DOIS)


Ela resolve mesmo ir embora, depois de mais cinco, dez minutos de espera. Sai no meio da chuva correndo sem se dar conta de que, do outro lado da rua, ele esperava no carro. Um estrondoso trovão fez apagarem-se as luzes de parte da cidade. Ela então percebe a luz dos faróis de um carro agora posicionados em sua direção.
Ele para o carro ao lado dela e a olha pelo vidro embaçado. Ele limpa o vidro com uma das mãos. Eles se reconhecem. Ela queria. Ele queria. Dois corpos e dois corações. Vibrando com uma resposta.
Mas... Ela segue seu caminho. Ele desce então do carro, sentindo o vento e a chuva a impor o silêncio. Apenas uma palavra:

- Espera!

Ele ofega de paixão. Dentro dela algo explodia, e ela sabia que era bom. Volta-se em direção ao seu destino. Para nunca mais voltar atrás.
A chuva ensopa os corpos, selando as intenções naquele momento. Não mais a espera, nem o silêncio. A chuva era a testemunha.
Corações se unem. Ela queria. Ele queria. Já haviam decidido. Nunca se esqueceram do gosto, do calor, do toque, do amor de poucos dias antes. De todos os dias de antes. E de todos os dias de depois.
Beijam-se sob a chuva.
O vento soprou forte entrelaçando ainda mais as emoções. Os deuses reconheciam sua criação...


segunda-feira, 15 de outubro de 2012

PREFÁCIO


Essa semana me peguei pensando sobre o porquê de os relacionamentos de hoje serem aparentemente mais curtos do que os de antigamente. Conversei com algumas pessoas, colhi alguns relatos para formar uma opinião mais firme a respeito. Foi um trabalho de uma escritora de coletar informações, sem ao menos que me desse conta disso enquanto o fazia. Foi uma experiência, no mínimo, interessante.
Cheguei à conclusão que, ao contrário do que algumas pessoas mais velhas – saudosas de sua época – dizem, não estamos na “Era da separação”, ou mesmo que estejamos perdendo a noção do que é um relacionamento. A verdade é que o ser humano nunca teve essa noção...
Antigamente, os casamentos eram baseados em status social, segurança material, perpetuação da família e transferência de bens. É óbvio que não excluo o amor desse contexto. Muitos dos casais se amavam, felizmente. Não vivi antes dos anos 80 (quando a liberação sexual já estava mais do que consolidada), mas não é preciso pensar muito para deduzir que a maioria dos casamentos não era assim tão baseada em amor. A segurança, principalmente, falava mais alto. Com o tempo, o comodismo camuflava-se nessa segurança. E as pessoas ficavam cada vez mais infelizes...
Como disse um amigo meu, hoje as pessoas estão revendo sua noção do que é relacionamento. Ou, pelo menos, tentando criar uma. A segurança material, principalmente para as mulheres, não é mais algo procurado nos relacionamentos. Nem mesmo status social. Assim, as pessoas estão tendo que lidar com outros aspectos da convivência diária. Já não há desculpas para ficar ou para não ficar dentro de uma relação. Mas, é bem verdade que estamos sambando e perdendo o rebolado para lidar com o feio, o imperfeito, o absurdo de um relacionamento. E ainda transferimos... Não bens, mas conteúdos nossos para o outro, como se o outro tivesse que nos completar, nos satisfazer, nos aceitar, nos entender...
Talvez não estejamos na “Era da separação”, mas na “Era do consumismo." Somos compelidos, desde pequenos, a pensar em nós mesmos. A pensar em vencer na vida, conseguir um bom emprego para poder consumir coisas... E pessoas. Ao contrário do que pensamos, não somos mais bem-resolvidos com a ideia do “casar-se e separar”. Não somos uma geração de pessoas que sabem lidar com a perda, com o desapego. Pelo contrário. Somos uma geração de pessoas que aprendeu a lidar com o mundo como se ele tivesse que nos servir, como se as pessoas tivessem que nos servir. E, se não servirem, existem milhões de outras, prontas para consumo.
Essa semana a natureza também me presenteou com uma afonia, além dos “belíssimos” pensamentos. Vi-me, instantaneamente, mergulhada no silêncio. Nos meus pensamentos. Nos meus sentimentos. Percebi que também somos compelidos a “consumir” as palavras, sem prestar atenção ao que falamos, ao que ouvimos, ao que pensamos, ao que vivemos. Ficamos no automático, ligados a um GPS. Como se, assim, fôssemos saber qual caminho trilhar...
E, para os que ficaram se perguntando a respeito... Eu ainda acredito no amor. Ah, e como acredito!... Exemplo disso são as “historinhas” escritas abaixo. Tenho dois finais reservados, mas gostaria de ouvir a opinião dos leitores. Afinal de contas, sou uma escritora democrática, e adoro criar seres pensantes... E sensíveis. 

ELA


“Ele me pediu para esperar... E estou esperando. Esperar foi o que eu fiz a vida inteira. Esperar para nascer, esperar para crescer, esperar pelo amor que sempre quis... E esperar que a chuva amansasse para poder sair do carro e atravessar a rua, até chegar ao local combinado. O tempo passa tão devagar quando estou esperando por ele! Mas o tempo de ficar sozinha sem a perspectiva de sua vinda é muito, muito mais longo...

(...)

O ruim é não saber ao certo quando esta espera chegará ao fim... Quando poderemos finalmente ficar juntos. Por quanto tempo já estou sentada aqui esperando?... Veja aquela senhora sentada sozinha na mesa ao lado. Será que ela também esperou, como eu? Será que ainda espera?

(...)

A espera, apesar de necessária, me amedronta. Como se eu não fosse me livrar dela, ou como se ela fosse me assombrar quando eu não tiver mais nada a fazer...

(...)

As pessoas passam por mim, provavelmente se perguntando o que faço aqui sentada esse tempo todo. Ninguém vem mais à minha mesa me perguntar o que eu quero. Talvez porque esteja estampado na minha cara o que eu realmente quero... Eu quero que essa espera acabe!... Afinal, onde ele está?!

(...)

Ele me pediu também para ter calma. Mas... Como ter calma quando o sentimento lateja por dentro?! Quando a vontade de jogar-se de peito aberto é maior do que o medo da rejeição que queima minhas entranhas?! Já fui rejeitada algumas vezes. Já chorei por ser abandonada. Chorei até por não querer mais chorar... Mas o choro de não saber ao certo qual será a resolução desse impasse é muito, muito mais sofrido. O choro de pensar que talvez ele não sinta o que eu sinto... Pode ser que ele não saiba o que fazer com o sentimento...

(...)

Eu ainda tenho medo da rejeição. Será que ficar sozinha não seria melhor do que ficar nessa angústia de esperar? Essa angústia de ter que abrir mão daquilo que é mais importante, abrir mão do que acredito e tenho como princípio para ficar com outra pessoa? Será que vale mesmo a pena?

(...)

A espera me enche de dúvidas. E ficar sentada sozinha, sem ter com quem falar me faz pensar. E eu não gosto de pensar demais! Quando estou com alguma coisa pendente, alguma coisa me incomodando, procuro alguém para conversar. Ora, e não é o mais provável? E o mais certo?! Falar a respeito resolve as coisas. E eu queria que ele estivesse aqui para podermos conversar!  Ele sempre fica com aquela cara de que não está entendendo, de que não está a fim de falar nada e, no fim, eu fico falando sozinha. Como estou aqui hoje, falando sozinha em pensamento comigo mesma.

(...)

Os homens dizem que as mulheres querem sempre controlar tudo, que agimos como donas da razão e que somos obcecadas por aquilo que nos permita prever o futuro. Realmente, nós mulheres queremos saber o que acontecerá, e nos colocamos sempre à frente em qualquer ação... E também na reação, obviamente, porque geralmente os homens não reagem! Pelo menos, não parecem reagir. Isso, ou o tempo deles passa num compasso mais lento que o nosso... Talvez o tempo dele seja tão mais lento, que agora o seu relógio marca a hora do nosso encontro...

(...)

A verdade é que não somos controladoras. Somos ansiosas. E por isso acabamos, algumas vezes, enfiando os pés pelas mãos. Agindo sem pensar. Falando o que não deveríamos... Algumas, que já passaram por uma relação conturbada antes (talvez a maioria de nós), agem de forma reativa para proteger-se, para não sofrer o mesmo de novo. E acabam sendo injustas. E acabam morrendo pela boca, perdendo-se pela própria língua, ficando, por fim, sem língua, sem boca, sem beijos, sem olhares... Apenas um aperto de mão frio e uma velha amiga... A espera...

(...)

Aquela senhora ainda está aqui, ao lado, sozinha. Vou chamá-la para conversar. Claro! Assim pararíamos de pensar e dividiríamos nossos problemas, enquanto esperamos. Não... Veja, ela está se levantando. Será que cansou de esperar? Ou será que tem alguém esperando por ela lá fora?...

(...)

Sabe do que mais? Vou me levantar e ir embora também. Afinal, do que vale essa espera enorme se não há mais nada para dizer? Se ele vai chegar e não vai falar nada? Se eu vou ficar pensando sozinha, mesmo com ele sentado na minha frente? Se eu vou sempre fazer esse monólogo interno virar externo na frente dele?... Meu corpo não me responde, quer esperar mais. Não quero ir embora. Ele pediu para esperar, e me pediu calma. E estou esperando. E estou calma... Quero ter calma, fazer diferente... Ou porei tudo a perder...”


ELE


“Eu pedi a ela para esperar. Não sei se está esperando... ‘Calma’, foi o que eu disse. Mas será que ela entendeu que, o que eu realmente queria, era um tempo para pensar? Um tempo para sentir de novo a vida com o coração leve, com os olhos secos, com a alma calma? Calma... Eu já nem sei o que é essa palavra. E agora estou aqui, rodando de carro pela cidade como se não soubesse o endereço do local do nosso encontro. Claro que sei, mas minha mente se recusa a lembrar! Preciso de mais tempo...

(...)

Já passei por esta rua?... Sinto como se estivesse rodando em círculos. Com este carro, na minha vida... E ainda não estou calmo. Melhor desligar o rádio, aproveitar o silêncio... Daqui a pouco o silêncio será apenas uma lembrança. Ambos falando, ambos ouvindo, mas não dizendo nem escutando nada...

(...)

Talvez hoje eu faça diferente. Talvez fale o que estou sentindo, diga que a amo, que a quero para sempre... Quantas vezes será que eu disse isso?... Será que alguma vez eu disse... Para mim mesmo? Eu direi, e então fecharemos os olhos e nos beijaremos. E não precisaremos dizer mais nada. De novo o silêncio... Esse amigo que me sobra quando nada mais resta...

(...)

Não quero o silêncio de ser solitário. Quero o silêncio de escutar sussurros, de ouvir a respiração ofegante, de sentir o coração batendo... O silêncio de perceber detalhes. O silêncio de vê-la crescer como a mulher que vejo, de fazê-la saber através de gestos... Por que tantas palavras? Por que tantos pensamentos?...

(...)

As mulheres dizem que pensamos demais e não agimos. Mas somente não agimos do jeito que elas querem. E, quando pensamos em agir, ouvimos algo como: ‘você vai fazer isso mesmo?’, ou ‘quando é que você vai fazer isso?’... Cobranças. Os homens não lidam bem com cobranças sobre sentimentos. Se alguém se adianta em fazer algo, e por vezes faz até melhor, porque nos preocuparíamos em fazer? Elas dizem que não fazemos nada, mas a verdade é que não sobra nada por fazer.

(...)

A verdade é que, por mais que sejamos racionais, sentimos tudo. Sofremos como elas. Talvez até mais. Nossos pensamentos são cheios de emoção. Se é verdade que homens e mulheres têm dentro de si características do sexo oposto, no sofrimento as mulheres racionalizam e os homens sentimentalizam. Os homens calam e as mulheres falam, pois o sentimento é vivido no silêncio e a mente manifesta-se no ruído.

(...)

O semáforo abriu. O silêncio me fez recobrar a razão. Já sei onde estou... Por que não liguei o GPS?... O local é logo ali. Ainda tenho um tempo, pelo meu relógio... Será que ela está lá me esperando?...

(...)

Não é possível, acho que meu relógio está com a bateria fraca. O ponteiro está andando tão devagar... Ainda não liguei o GPS... Estou atrasado!... Será que vou até lá? Talvez ela já tenha ido embora... Ainda me pergunto se é o que quero. Dessa vez pode ser decisivo. Pode ser a última vez que eu aproveite esse silêncio benigno... Espero que ela esteja me esperando, e que nós possamos resolver as coisas. O impasse massacra o silêncio, impede a voz de sair... Vou sair do carro.

(...)

Ainda está chovendo. O vidro está embaçado, mas posso ver. Lá está ela. Será ela?... Está se levantando. É ela! Preciso me apressar e entrar logo por aquela porta. Chega de adiar, meu caro. A hora é agora... Maldito relógio!

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

MONÓLOGO II - Interno

Após o susto,
O pulso, o impulso...
A mente para.
Observa. Analisa.
Revisa e Espera.
Assombra e Desespera
Ao ver o coração correr indômito,
Esgueirando-se incógnita pelo incômodo,
Abrindo, uma a uma, as portas da emoção!
A mente, aflita,
Enche-se de razão
E grita:
- Não!
Tudo estava calmo e confortável
Neste espaço miserável do conter-se!
E agora, contorces-te para desenredar
Uma alma torta?!
- Nada mais importa!
Grita o coração, destemido.
- Tudo que havia sido mentido,
Será agora desmedido!
Dismórfico! Filosófico! Heroico!
Nada tema, mente inerte.
Tu pensas no por que das coisas,
Mas, quando erras,
É de mim que o choro verte.
Nessa hora, tuas equações falam de canções,
Teu domínio do raciocínio perde-se nas paixões!
Ora, quem há de saber ao certo?
Se não se pode somente esperar
E deixar o momento passar,
Nem jogar-se de peito aberto
Ao abismo do lirismo?
Há que se ouvir a alma!
Ela pulsa? Ela arde?
Ela, repulsa? Ela, em alarde?
Coração e mente...
Um afoito e outra dormente,
Nem sempre sabem que escolha fazer.
Mas a alma,
Essa pura mistura de razão e emoção,
Se fala ao profundo do ser
Com afirmações, e não perguntas...
Por que não confiar?
A chuva goteja sobre a terra,
Mas uma hora vira mar!
E se não virar?...
Vire-se para o lado e sonhe!
Espie em mente,
Inspire em coração!
Assim não há como errar...

Brasília, 08 de outubro de 2012.