De vez em quando, é bom começar de trás para frente. Comer antes a sobremesa, começar o aniversário cantando parabéns, soprando a vela e cortando o bolo. E por que não, cortando o bolo, soprando a vela e cantando parabéns? Ou até, quem sabe, ler um texto do fim...
É fato que nossa vida tem uma seqüência lógica. Tem sim, mas não tem a obrigação de ter. Acordar, escovar os dentes, tomar o café da manhã... Em verdade, seria muito esquisito se começássemos o dia de trabalho batendo o ponto de saída. Mas a vida é cheia de variações, de ritmos e de cores, de sensações e até de odores que se perdem por não alcançar o nosso infinito ritual de seqüência. Fila, faixa, roleta, catraca... Tudo em ordem. Mas, nessa ordem seqüencial por acaso o inverso também não seria uma ordem? Seria a ordem inversa, responderiam alguns. Sim, mas não perderia seu caráter de ordem.
A proposta aqui não é olhar o reto ao inverso, pois assim mesmo seria reto. É perceber o quanto somos dimensionados e até mesmo atados pela necessidade humana de seguir a seqüência. A Matemática é seqüencial, a Física e até mesmo o Português. Talvez nos abra essa falta de ordenação a Arte. Tente olhar um quadro de trás para frente, de cima para baixo, de lado, de costas, e se delicie com as possibilidades que a admiração traz. Uma música, ouvida de trás para frente, pode causar sensações nunca antes sentidas com a mesma obra. Pode até trazer uma mensagem secreta para seus ouvidos. Um filme assistido de trás para frente nos revela uma perspectiva completamente nova do enredo.
Ora, mas começar pelo final tira o gosto da surpresa! Depende da forma como se encara o conhecimento do que vem a ser o final. Pensemos bem: se vemos primeiro o fim, ele passa a ser para nós o começo. Dessa forma, o começo é o algo não revelado, é o algo secreto da trama. Portanto, não perdemos o componente surpresa. Apenas deixamos para saber como foi quando já sabemos o que é.
O tempo talvez seja algo mais complicado. Tente olhar o futuro antes do passado, como se aquele fosse a causa deste. Complicado? Nem tanto. Temos o presente como a junção entre um e outro. Ainda que o futuro (desconhecido) seja na verdade a causa do passado (conhecido), teremos o presente para unir as duas peças de um (nem tão) louco quebra-cabeça. Mas lembre-se do que foi dito no início deste texto. Muito do nosso futuro pode ser, no mínimo, previsível. Sabemos que iremos dormir ao final de um dia. Que surpresa! Se pensarmos em dormir e acordar, ou em estar acordado e dormir, seria a mesma coisa?
Talvez aí esteja a chave da questão. Que, em verdade, nem é tão pouco uma questão. É a forma de se ver algo sem, no entanto, precisar se desvincular dele. Posso olhar meu corpo de trás para frente e, ainda assim, ele seria o mesmo. Mas a minha percepção dele seria totalmente diferente. O interessante é constatar que, no fim das contas (ou no início delas, se você começar de trás para frente), o que nos importa não é excluir ou maldizer a seqüência, mas perceber que fim e começo nem sempre precisam ser os mesmos. A grande descoberta é poder apreciar detalhes que ficam prejudicados por conta da infalível seqüência lógica da vida.
Vamos a um desafio. Olhe para si mesmo no espelho e conte até dez. Agora conte de dez a zero. Certo, certo, esse não é um desafio à altura da nossa discussão. A Matemática talvez seja a linguagem universal, mas não é capaz de soltar-se das amarras da seqüência. Ouça então uma música ao inverso. Comece uma festa pelo final. Coma antes a sobremesa. E, para começar, leia esse texto de trás para frente.
Brasília, 17 de junho de 2007.
Nenhum comentário:
Postar um comentário