Utilizando...

Utilidade:
s.f. Qualidade de útil.
Objeto útil; emprego, uso, serventia.
Útil: adj. Que tem uso, préstimo ou serventia; que satisfaz uma necessidade. Que traz vantagem, proveito ou benefício;

Todos os textos aqui postados me foram úteis em alguma fase da vida. E têm uma utilidade atemporal, perpétua. Longe de pedir por aprovação ou pretenderem marcar o leitor em algum momento, estes textos desejam e objetivam a utilidade. Não pedem reconhecimento ou aplausos, amor ou ódio; A utilidade é livre para o pretexto, o texto que quiser. Querem, porém, seu respeito. Podem não ser de todo belos, éticos, saudáveis, proféticos. Mas pedem que, se utilizados, tenham sua autoria reconhecida, como um preço justo e nada caro. Leia, releia, use, utilize. Mas dê a eles o sobrenome, pois todos tem mãe.
Assim, faça deles o uso (ou a utilidade) que quiser.

Raquel Capucci


segunda-feira, 21 de março de 2011

Votos


O Amor é uma experiência sublime...
Será? O correto, talvez, seria dizer que o Amor é uma experiência, apenas. Em verdade, mesmo que não se tenha vivido um Amor digno da grandeza de uma alma, ou da infinidade do universo, não há como alcançar o sublime sem passar incólume pela experiência do Amor. Pois, somos nós que passamos pelo Amor ou será que é ele quem nos perpassa? Como o tempo transformando o espaço, como os sentimentos e as sensações que nos atravessam a fim de manter o movimento de nossos corpos.
Nesse ponto reside a beleza e até a sutileza de enxergar o Amor como uma experiência: ela não tem fim, não pode ser mensurada, somente vivida. E, vivendo-a, a alma se transforma. Passando e sendo perpassada pela experiência, não mais amorfa, mas morfizada pelo sentimento.
O Amor nos ensina que o sublime não é suficiente. É preciso ser terreno, estar permanentemente nessa dança sagrada entre o Céu e a Terra. O Amor funciona como a força gravitacional que atrai um corpo ao outro... Ainda que através dela entendamos que algumas partes não podem – e não devem – ser coladas uma a outra. Hora ou outra existirá algo no Ser Amado que seja repelido – e aí é que está a magia do Amor. Através dele somos capazes de olhar fundo, como se admirando um buraco negro, e abstrair a luz...
O Amor nos une não pela busca do que é sublime, mas por essa necessidade certa e humana de irmanar harmoniosamente nossa parte terrena, do ventre, ao nosso sublime, que paira acima de nossas cabeças... É por isso que ao Amor é associado o coração. Pulsante, em um movimento quase eterno, ele une o que é terreno e sublime dentro de nós.
Poeticamente e sonoramente num uníssono, venho para me juntar pelo coração ao que é meu e seu, para que exista o nós. Convivendo com essas forças de atração e repulsão, numa dança viva de ida e vinda, que nós possamos estar trilhando um mesmo caminho e encontrar um lugar só nosso. Onde o Céu e a Terra se unam, e nossas forças estejam em perfeito equilíbrio.
Amo-te, sob a insígnia desse Amor acima descrito... Amor e Confiança.


Brasília, 24 de setembro de 2006.


segunda-feira, 14 de março de 2011

Sol Poente


Não foi preciso muito...
Em um minuto
Tudo parecia estar em seu lugar.
A primavera veio antes do tempo,
Em um outono
De folhas caídas sobre o chão de nosso
Pensamento...

Flores caíram do céu
E pousaram certeiras sobre o coração...
Ainda trancafiado,
Na fuga da emoção,
Na insensatez do consolo...

Em uma mescla de cores
O Amor veio...
Em certeza
De estar frente, rente
Ao mais certo de todos os sentimentos.

Interveio...
Como uma providência
Cálida vinda do poente...
O astro, em sua trajetória solitária,
Amou em dimensão planetária
Ao descobrir do outro lado a Lua...

Nua
Já estava a emoção...
Bastou uma canção
Um gesto,
Um gosto,
Um rosto
Olhando nos olhos,
O apreço e o endereço
Distante em uma fração...

De segundos,
De algumas horas de viagem,
Um grito certo de paciência:
Não temas,
Pois é chegado o momento...
Será não o cessar do teu tormento,
Mas o início de uma possibilidade...

O que é o Sol seguindo para dentro da Terra
E dela retornando
Senão uma possibilidade?
Cada novo dia é sempre uma nova possibilidade...

Uma verdade que não pode ser dita,
Mas vista...

Em teu olhar,
Em teu peito,
Em tuas vestes...

Verte teu choro,
Verte teu sentimento,
Não te arrependerás...

Pois o coração é teu,
O que vivemos não se pode tirar...

Somos duas possibilidades
Que se encontram lentamente
Num sonho vivente,
Numa sombra de razão...

Encanta-te o Sol poente
Pois é ele que te leva pra dentro de ti...
Pela noite adentro,
Encandesce em cores,
Em odores e em virtudes:
Não te iludas,
Não te assustes,
Estaremos juntos.
Ainda que sem saber ao certo por quanto.
Tempo temos...
O Amor é uma possibilidade.
Cabe a nós torná-la real...
 


Brasília, 21 de julho de 2008.

sábado, 12 de março de 2011

AR


Sobre planos,
Acertos e enganos,
Planamos...
Feito Águia
Levando os sonhos
Em nossas asas
Douradas pelo Sol!
O ápice,
O desenlace de nossa memória,
E mais uma vitória
De todos os sonhos!
A palavra,
Expressão certeira
Que nos diferencia dos animais
E nos aproxima dos Deuses!
Essa chave-mestra,
A inspiração de todos os sentidos,
Em todas as direções...
Aponta nosso destino,
Seta de nossa emoção,
Guia-nos por onde vamos,
Somos e crescemos,
Trazendo os dons por nossa respiração!
Ar que nos envolve,
Ar que nos inspira,
Inspiremos!
Inalemos!
Festejemos
Nossa consciência etérea!
Que vem em forma de ondas
Ultrapassando barreiras,
Perpassando brechas,
Através das quais
Passamos com sua flexibilidade...
No chão os pés se fixam,
Mas é na atmosfera que os sonhos viajam!
Veem além do alcance da mão,
Onde deslizam os raios de luz!
Elemento da magia,
Da força da intenção pela palavra,
Guie-nos,
Fortaleça-nos,
Ilumine-nos,
Para que possamos realizar,
Com destreza, inteligência e concentração,
Todos os nossos propósitos!

Brasília, 17 de setembro de 2007.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Coração de Artista



Enquanto me aproximo de meu desafio,
Numa leve e doce caminhada,
Posso sentir meu coração bater...
E como é bom senti-lo bater!
Pela primeira vez com o vigor
Que deveria sempre lhe ser característico!
Sorver
Da mais pura criatividade
A sensação de saudade,
A magia ousada
De estar por um fio...

Como é bom poder sentir
Meus pés fora do chão!
Ainda assim sentir a terra
E nada mais em guerra
Dentro do meu peito...
Sorrir
Como se pela primeira vez!
E mais uma vez ouvir bater meu coração...

Sentir a fluência
De meu sangue
E ao mesmo tempo ouvir a eloqüência
Dos sentimentos nos sentidos despertos...
Que ninguém mais se engane,
Pois isso sim é ser artista!
Poder olhar para a própria conquista
Com a inocência da primeira viagem,
E a consciência de estar só de passagem...

Por um estado de existência colorido,
Pintado,
Cantado,
Dançado,
Interpretado,
Vivido!

Para que eu mesma possa escrever
As falas de minha vida,
Descrever as formas,
As margens,
Os limites...
Não normas
Mas imagens,
Palpites...
De que uma nova vida agora se inicia...
Com a autenticidade de minhas mãos!

Agora sim,
Como é bom sentir meu coração!

Brasília, 03 de novembro de 2005.

segunda-feira, 7 de março de 2011

De trás para frente


De vez em quando, é bom começar de trás para frente. Comer antes a sobremesa, começar o aniversário cantando parabéns, soprando a vela e cortando o bolo. E por que não, cortando o bolo, soprando a vela e cantando parabéns? Ou até, quem sabe, ler um texto do fim...
É fato que nossa vida tem uma seqüência lógica. Tem sim, mas não tem a obrigação de ter. Acordar, escovar os dentes, tomar o café da manhã... Em verdade, seria muito esquisito se começássemos o dia de trabalho batendo o ponto de saída. Mas a vida é cheia de variações, de ritmos e de cores, de sensações e até de odores que se perdem por não alcançar o nosso infinito ritual de seqüência. Fila, faixa, roleta, catraca... Tudo em ordem. Mas, nessa ordem seqüencial por acaso o inverso também não seria uma ordem? Seria a ordem inversa, responderiam alguns. Sim, mas não perderia seu caráter de ordem.
A proposta aqui não é olhar o reto ao inverso, pois assim mesmo seria reto. É perceber o quanto somos dimensionados e até mesmo atados pela necessidade humana de seguir a seqüência. A Matemática é seqüencial, a Física e até mesmo o Português. Talvez nos abra essa falta de ordenação a Arte. Tente olhar um quadro de trás para frente, de cima para baixo, de lado, de costas, e se delicie com as possibilidades que a admiração traz. Uma música, ouvida de trás para frente, pode causar sensações nunca antes sentidas com a mesma obra. Pode até trazer uma mensagem secreta para seus ouvidos. Um filme assistido de trás para frente nos revela uma perspectiva completamente nova do enredo.
Ora, mas começar pelo final tira o gosto da surpresa! Depende da forma como se encara o conhecimento do que vem a ser o final. Pensemos bem: se vemos primeiro o fim, ele passa a ser para nós o começo. Dessa forma, o começo é o algo não revelado, é o algo secreto da trama. Portanto, não perdemos o componente surpresa. Apenas deixamos para saber como foi quando já sabemos o que é.
O tempo talvez seja algo mais complicado. Tente olhar o futuro antes do passado, como se aquele fosse a causa deste. Complicado? Nem tanto. Temos o presente como a junção entre um e outro. Ainda que o futuro (desconhecido) seja na verdade a causa do passado (conhecido), teremos o presente para unir as duas peças de um (nem tão) louco quebra-cabeça. Mas lembre-se do que foi dito no início deste texto. Muito do nosso futuro pode ser, no mínimo, previsível. Sabemos que iremos dormir ao final de um dia. Que surpresa! Se pensarmos em dormir e acordar, ou em estar acordado e dormir, seria a mesma coisa?
Talvez aí esteja a chave da questão. Que, em verdade, nem é tão pouco uma questão. É a forma de se ver algo sem, no entanto, precisar se desvincular dele. Posso olhar meu corpo de trás para frente e, ainda assim, ele seria o mesmo. Mas a minha percepção dele seria totalmente diferente. O interessante é constatar que, no fim das contas (ou no início delas, se você começar de trás para frente), o que nos importa não é excluir ou maldizer a seqüência, mas perceber que fim e começo nem sempre precisam ser os mesmos. A grande descoberta é poder apreciar detalhes que ficam prejudicados por conta da infalível seqüência lógica da vida.
Vamos a um desafio. Olhe para si mesmo no espelho e conte até dez. Agora conte de dez a zero. Certo, certo, esse não é um desafio à altura da nossa discussão. A Matemática talvez seja a linguagem universal, mas não é capaz de soltar-se das amarras da seqüência. Ouça então uma música ao inverso. Comece uma festa pelo final. Coma antes a sobremesa. E, para começar, leia esse texto de trás para frente.

Brasília, 17 de junho de 2007.

sábado, 5 de março de 2011

O Sexo e o Amor, o Amor e o Sexo

Sexo e Amor fazem parte de um mesmo ciclo.
O Sexo é a ferramenta para materializar o Amor... Para mostrar mais e mais o que há de profundo nele...
O Amor é o que dá sentido ao Sexo... Aquela liga cósmica que mantém os corpos unidos, sedentos por algo que os misture em uma dança mágica, sem barreiras, sem obstáculos, sem divisões por fim...
Navegar entre o Uno e o Divisível, entre o Infinito e o Vazio, entre a Criação e o Renascimento...
O Universo, em seu majestoso movimento, nos revela uma forma genuína de Amor e de Sexo... Suas estruturas colidem, explodem, circulam e por fim se atraem apenas para poder criar algo magnífico, para além de sua própria compreensão...
O Cosmo ama e faz amor com suas grandes Estrelas e seus diversos Planetas!
E nós reproduzimos esse espetáculo com nossas pequeninas células...
Amor e Sexo fazem parte de um mesmo ciclo...


Brasília, 26 de dezembro de 2006.

Ganháveis e Amáveis

Em meu último aniversário, criei uma nova classificação de objetos que com certeza não seria digna de um prêmio Nobel. Mas, de fato, tornou-se bastante prática para mim, naquela data nada festiva. Ao menos me serviu como entretenimento. Muitas são as artimanhas de que nossa criatividade é capaz para escapar da mesmice e do tédio...
A essa altura, acredito que já estejam curiosos para saber a respeito de minha originalíssima invenção. Segurem a criatividade, pois com certeza também cairão na tentação de classificar seus presentes. Para o bem de suas pessoas queridas, que também se esforçam para dar-lhes sempre presente originais, peço que resistam a descer caixas e caixas de objetos guardados e se utilizarem de minha classificação. Nada há de lisonjeiro nisso. Garanto-lhes, nada.  Mas... Como disse, é um bom passatempo. Se estiverem, como eu, entediados em seu próximo aniversário, amontoados de presentes “criativos”, façam uso de minha invenção. Não se acanhem, não a patenteei e nem tenho a intenção. O uso é livre.
Minha invenção atende pelo nome de “Escala de objetos ganháveis”. Bem, eu disse que de nada adiantava a curiosidade. Afinal, qualquer um poderia ter inventado isso. Exatamente por esse fato não me dei ao trabalho de patentear. Não podem negar, ao menos, que é criativo, não? Com o tempo perceberão a utilidade de minha classificação. Mas, deixem que explique primeiro como é que ela surgiu na minha vida.
Alguns presentes na minha vida sempre se repetiram. E muito. Peguemos um exemplo: meias. Está bem, dois exemplos: gravatas, camisas. Sim, sim, outros exemplos: cuecas (sim, cuecas), bermudas, pijamas. Chega. Essa ideia vocês já entenderam, certo? Ótimo. Agora, preparem-se para a originalidade de minha classificação: os objetos não são classificados pelo tanto que são dados como presente, mas o quanto não podem ser comprados por nós mesmos.
Pense: meias compramos para nós mesmos; gravatas, podemos ir até uma loja e comprá-las. Mas garanto-lhes que pouquíssimas pessoas algum dia tiveram a ideia de se comprar uma carteira. Sim, aquela carteira para levar dinheiro no bolso do paletó, da calça, ou dentro da bolsa. Podem não concordar comigo, mas tentem se lembrar quantas vezes tiveram a ideia, assim, espontânea, de comprar para si mesmos uma carteira. Não é uma ideia esquisita? Ao contrário, a carteira está praticamente no topo da “Escala de objetos ganháveis”. É a rainha soberana, encabeçando minha lista.
E para que serve essa tal classificação? Ora, para que saibam exatamente o que precisam ou não precisam comprar. Uma carteira, no meu caso, por exemplo. Para que perderia meu tempo e dinheiro (o constrangimento ainda de abrir a velha carteira, e fazê-la sentir-se rejeitada) para comprar uma carteira, já que a qualquer momento ela me seria presenteada? Nunca gastei meu pensamento com carteiras. Elas vinham até mim, sempre.
Agora vejam vocês. Eis que me pego indo até uma loja e comprando uma carteira, vendo toda minha filosofia de vida ruir ante meus olhos. Certo, era demais pra mim. Mas era uma necessidade sobre-humana, minha antiga carteira estava surrada, furada, encardida, quase que o meu dinheiro, que já era pouco, saia-lhe pelos fundilhos. Não poderia mais permanecer naquela situação decadente. E muito faltava para meu aniversário, sequer um amigo-secreto. Então, não me restava nada mais a fazer do que pegar meu carro, dirigir até uma loja e comprar uma carteira. Algo que me soava como a inversão da lei gravitacional, como se fosse Newton atraído pela maçã: “Comprar uma carteira.” Preferi não repetir aquilo para mim mesmo por muito tempo.
Chegando à loja, fui prontamente atendido pela atenciosa vendedora.
- Bom dia, senhor. Posso ajudá-lo?
“Claro que pode, dê-me uma carteira de presente.”, pensei de pronto. Mas não era possível fazer um pedido indecoroso como aquele para a moça. Afinal, acabávamos de nos conhecer, tinha que ir com calma.
- Sim. Estou precisando comprar uma coisa.
Que resposta infeliz. Alguém algum dia se dirigiu até alguma loja para tratar de outro assunto, senão comprar uma coisa?
- Sim, senhor. E o que seria?
Lá vinha ela com perguntas difíceis outra vez. O que deveria responder? Não poderia assim de pronto confessar que fora até ali para comprar uma carteira. Uma carteira para mim mesmo! Já poderia até imaginar: “É para presente, senhor?” Eu não saberia o que responder...
Enfim, após perceber o olhar atencioso da moça em quase desespero, resolvi entregar-me a meu destino. Mas falei em tom baixo.
- Preciso de uma carteira.
Ela, dessa vez, me lançou um olhar piedoso, como se soubesse.
- Ó, sim, uma carteira... Vou já trazer modelos para o senhor olhar.
- Sim...
A vendedora virou-se para buscar as carteiras, mas a detive no caminho.
- Seja discreta, por favor...
Disse-lhe, voltando meu olhar para um outro senhor que se encontrava encostado no balcão. A moça, a quem darei o nome de Jaqueline (talvez esse não fosse o nome dela, estava transtornado demais para me lembrar), olhou-me com certo ar de estranheza.
- Como quiser, senhor.
Até hoje não faço a menor ideia do que pensou Jaqueline sobre mim. Naquela hora, talvez não fizesse diferença.
Enquanto esperava o retorno de Jaqueline, pus-me a observar o outro cliente. Por um instante, esqueci-me de minha árdua tarefa de comprar carteiras, e resolvi travar uma saudável conversa com meu vizinho de loja.
- Com licença.
Ele me olhou com uma cara espantada, mas cordial.
- Sim?
- Está comprando um presente?
O senhor calou-se como um túmulo por alguns segundos.
- Estou comprando uma coisa...
Por um momento pensei que ele também comprava uma carteira para si mesmo. Haveria alguém tão desafortunado quanto eu? Justo naquela loja? Não, não, parecia só um devaneio meu, um erro de análise. Era melhor conversar mais com meu vizinho.
- Ah, eu também. “Uma coisa”. Coincidência, não?
- Não acredito em coincidências.
Não sabia ao certo se aquilo deveria soar filosófico ou hostil. De fato, ele não parecia alguém que não queria ser importunado em sua compra. Continuei.
- Pois eu sim, eu diria. Talvez até estejamos comprando a mesma coisa... Quem sabe?
- Quem sabe...
Silenciamos por alguns instantes. Nisso, retornou Jaqueline.
- Aqui está o que pediram, senhores. Temos vários modelos...
Não me detive ao que Jaqueline falava a respeito das carteiras. Apenas me ative ao tempo verbal. O que “pediram”? Então ele também estava comprando carteiras.
- Obrigada, Jaqueline.
- Estejam à vontade. Se precisarem de mim me chamem, certo?
- Sim.
Dessa vez foi ele que respondeu, envergonhado.
Peguei uma carteira para examinar. Ele fez o mesmo. Uma frase:
- Então era a mesma coisa...
Disse ele, para meu espanto.
- Sim. Coincidência, não?
Ele se calou. Já não sabia mais se não acreditava mesmo em coincidências.
- Comprando uma carteira... Presente, certo?
A pergunta indecorosa. Como tinha sido capaz de perguntar-lhe uma coisa daquelas? Se estávamos no mesmo barco? Mais uma vez, ele se calou. Aquela era a situação mais constrangedora que já passara. Tinha de bolar rapidamente um plano.
- Senhor... Desculpe-me a indiscrição, mas... (em tom bem baixo) O senhor veio para comprar uma carteira para si mesmo, não é?
Ele arregalou os olhos.
- Não se acanhe... (engoli seco) Vim fazer o mesmo.
Ele baixou os olhos.
- No início fiquei me perguntando se ter de comprar uma carteira para si mesmo era sinal de não ser mais amado. Hoje é meu aniversário, sabe?
Estaquei. Tive pena de meu companheiro de compra. E logo de compra de uma carteira para si mesmo. Não soube o que dizer por longo tempo, mas vi que meu mais novo amigo se encontrava em piores condições do que eu. Não era só a necessidade de comprar uma carteira para si mesmo... Era o abandono que o rondava. Sorri.
- Eu preciso de uma carteira, e você também. E ambos já temos o dinheiro para isso. Aceitaria me dar uma de presente, e receber de mim uma de presente?
Os olhos do senhor iluminaram-se.
- Talvez não tenha sido coincidência, afinal.
Ele sorriu.
Ficamos boa parte da tarde conversando sobre presentes, sobre a vida e, claro, sobre carteiras. Ele escolheu a que lhe aprazia, eu fiz o mesmo. E ao chegar ao caixa, Jaqueline à nossa frente, ouvimos a fatídica pergunta.
- É para presente?
- Sim!
Gritamos em uníssono, e arrancamos risos discretos de nossa anfitriã.
Ao final, cada um com seu pacote. Trocamos presentes. Apertamos as mãos. Ambos satisfeitíssimos com suas novas carteiras. Tínhamos dado as costas, quando pensei em me despedir de forma diferente.
- Senhor!
Ele se virou sorrindo.
- Aqui está meu cartão. Quando precisar de uma carteira de presente, me ligue.
Ele saiu quase saltitando.
Eu, naquela tarde, dirigindo de volta para casa e pensando sobre minhas caixas e caixas de presentes, percebi algo dentro de mim. Uma conclusão. O valor de um presente não está na sua utilidade, na sua forma, na sua quantidade. Está na sua história e na sua intenção. Lembrem-se disso na próxima vez que receberem um presente. E lembrem-se também na hora de presentearem alguém.
Ao chegar a minha casa, fiz uma nova classificação de meus presentes. Chamei-a de “Escala de objetos amáveis.” Uso-a até hoje. E é claro que a carteira continua sendo a primeira da lista.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Amor e Confiança


Talvez eu jamais saiba o que é realmente... O que realmente é sentir aquilo que, aos poucos, vou sentindo...
Saber seria como triunfar sobre pilares de desapegos, de desaforos, de desaconchegos, de destroços, de desencantos... Pois, mesmo que ainda eu não sinta, mesmo que ainda eu não veja em mim esses sentimentos... Quais alentos eu posso contrariar? Por que estaria eu corroendo-me por dentro, ainda que nada sinta? Sentir talvez seja um crime...
Seja em si um desapego...
Seja realmente um desaforo...
Seja definitivamente um desaconchego...
Seja em mim um desencanto, sob destroços que sequer consigo ver!
Talvez ainda me apareça como algo que eu não consiga explicar. Talvez...
Como se meu corpo fosse só dúvidas, minha alma só questionamentos, meu espírito... Ah, meu espírito! Desse sim posso dizer que, apesar de sobrevoar sobre possibilidades, tem suas asas podadas! E, quando lhe deixam as asas crescerem, voa não muito longe, e é descoberto clamando apenas por um nome...
Nomes! Por que nomes?! Por que palavras?! Por que sensações?! Eu queria mesmo poder não sentir nada... Nem um toque, nem uma dúvida... Pois eu mesma sei que tudo o que sinto na verdade é uma parte de mim mesma clamando por algo cujo nome eu desconheço!
Desconsolo... Talvez esse seja um nome... Um nome que eu possa clamar! Uma página virada... Uma sensação esquisita... Outra vez essa sensação! Eu me sinto traída por mim mesma, eu me sinto traindo a mim mesma, eu me sinto traindo o mundo inteiro! Como se eu tivesse que expurgar de dentro do meu peito essa vontade de me libertar de todas as amarras!... Essas amarras são minhas, eu quero atar-me àquilo que é certo, àquilo que amo... Às amarras do amor, que já não voam... Mas que, bem de perto, já sabem por que nome chamar...
Chamar... Chamas... Labaredas que nunca se apagam! É assim que eu me sinto... Como um vulcão prestes a explodir... Como uma esperança a eclodir de dentro de sua casca... Como uma serpente a rastejar pelos campos da razão...
Que razão?! Será que há verdadeiramente uma razão para isso tudo? Ou, ao contrário, vou ter de rastejar até conseguir me levantar novamente?! Eu quero explodir, eclodir, me propagar pelos quatro cantos do seu mundo! Do meu mundo, daquele mundo distante que nos cerca... Que nos cerca, com sua cerca de arame... Que nos cerceia, com seus limites espinhosos... Que nos semeia, ainda que sejamos ervas daninhas... Que nos alimenta, ainda que não tenhamos fome... Que nos acaricia e pune com a mesma potência!
Eu não quero fugir desse mundo... Eu quero fazer parte dele... Eu quero poder estar na realidade e na fantasia ao mesmo tempo... Quero poder ser real frente às pessoas, sem ter que me fantasiar de algo que eu não sou... Sem vestir esse figurino que não me cabe mais... E poder estar por entre verdades e mentiras que eu mesma interpreto! Naquele local que chamam mágico, que só se transforma quando nele sobem os portadores arquetípicos do ser humano!
Eu quero ser a portadora dessa chama do ser, desnudar-me, vestir-me, viver uma realidade que não é minha... E, ao mesmo tempo, ter acesso à realidade e à fantasia que me pertence... Sem que, para isso, necessite perder-me por entre vestimentas que não são minhas... Por entre falas que não saem de minha boca... Por entre entradas e saídas que não fazem parte da marcação de minha vida...
Quero, acima de tudo, poder querer... Ou simplesmente poder. Ou simplesmente querer. Ou estar acima de tudo... Abaixo de nada, antes de tudo, depois de nada, ainda que para isso eu tenha que dizer, pela última vez: Minha sina é seguir, com meus passos, passos que não são meus... Com amor e confiança...

Brasília, 26 de novembro de 2006.

As Plantas e as Virtudes


As plantas podem nos ensinar muitas virtudes. E eu tenho muitas delas. Plantas, não virtudes... Entretanto posso dizer que estou aprendendo com elas a ser uma pessoa cada vez melhor. Aprender a ser uma pessoa melhor com uma planta? Você me perguntaria. É isso mesmo. Ninguém melhor do que uma planta para nos ensinar a ser pessoas melhores. E, aprendendo com elas, posso explicar por quê.
Uma planta pode nos ensinar a ser pacientes, por exemplo. Quem já cuidou de uma delas sabe o que estou falando. Passamos dias, meses e até anos esperando para ver uma manifestação, um brotar de flores, um despontar de frutos. Eu já ouvi alguém falar – um apaixonado por plantas, decerto – que esperou até por algum movimento, algo que demonstrasse que ela agradecia pela água de todos os dias, pelo sol de todas as manhãs, pelas conversas descompromissadas. Mas aí está outra virtude que as plantas nos ensinam: a humildade. Não é possível ser orgulhoso diante de uma planta, por mais que nos orgulhemos de todo nosso trabalho. Porque, aos nossos olhos, sempre parecerá haver mais e mais trabalho, ainda que haja uma flor. Logo essa flor não estará mais lá, e nos lembraremos de nosso novo trabalho até uma nova flor.
Nós aprendemos também a não deixar para depois com uma planta. Como? Faça essa experiência: deixe de dar água um dia ou outro, dizendo “acho que não tem problema se eu deixar para amanhã”. O problema é que nós, humanos, temos a tendência de achar que o momento nos acompanha onde quer que formos. E deixamos sempre para amanhã. Ah, não há mal nenhum em deixar para amanhã, você pode pensar. Isso é verdade se há algum motivo plausível para se adiar algo. Mas, se a planta está lá, seca, a água à mão, e você deixa de molhá-la, pois amanhã o fará, logo não haverá mais planta para molhar. E você terá água sem utilidade.
As plantas nos ensinam a apreciar as pequenas coisas. Lógico, pressupondo que você já aprendeu a ter paciência. Pois não é possível se encantar com pequenas coisas se não sabemos esperar por elas. Um novo galhinho, um botãozinho de flor despontando de uma folha acanhada, até mesmo a forma como uma planta se curva diante da necessidade certa de uma formiga. E não pense você que é por falta de ação. Não existem criaturas mais simbióticas do que as plantas. Elas sabem das suas necessidades e das necessidades dos outros seres que a cercam.
E já temos uma nova lição a aprender. Nós, seres humanos, aprendemos desde muito cedo a reclamar nossos desejos e paixões. Choramos por leite, brigamos por uma poltrona melhor dentro do cinema, competimos por um posto melhor em nosso trabalho. Não, não há nada errado com a ambição saudável. Afinal de contas, nós somos seres humanos por nossa capacidade de adaptar o ambiente às nossas necessidades. Mas aí se encontra um pequeno-grande problema: levando essa nossa característica ao extremo, estamos pouco a pouco destruindo a nossa fonte primária de energia, aquela que nos fez tornar seres humanos! Seria como uma planta, ao encontrar um leito subterrâneo, sugar-lhe toda a água até que não haja mais nada. Não parece incrível?
 Nós, seres humanos, somos incríveis em diversos aspectos. Sensíveis, inteligentes, engenhosos, ambiciosos, práticos, amáveis. Mas não achamos nosso equilíbrio sobre nossas raízes. Vamos girando, atrás do sol que nos pertence, mas esquecemos de agradecer por ele não desviar seus raios para outro lado. A natureza nunca virou as costas para nós... E agora nós, sua mais perfeita criação – nossa mais perfeita criação – viramos não só as costas, mas todas as nossas armas contra ela. Não parece justo, não é?
Temos de aprender, além de olharmos para quem está do nosso lado, também essa nova experiência: estarmos entregues ao que poderá ser novo e inesperado, cônscios de nós mesmos e dos outros. Não pensarmos em como era bom quando aqui havia água, e continuar esticando nossas raízes na direção errada. Nossa adaptação, infelizmente, também levou à teimosia. Por vezes deixamos de nos questionar se essa é ainda a melhor forma de agir, ainda que essa forma nos tenha trazido até aqui. Não deixarmos nunca de nos questionar tem apenas um nome: evolução. Não há evolução sem questionamento. E não há questionamento se não nos empenharmos em conhecer a nós mesmos e aos seres que nos cercam.
Nesse ponto, caro leitor, temos de admitir que, no que diz respeito ao autoconhecimento, as plantas são mais evoluídas do que nós. Você pode até perguntar para ela como se faz tudo que falei até aqui. Mas não espere resposta imediata: seja paciente, e observe. Tenha humildade suficiente para saber absorver as pequenas coisas que ela vai lhe mostrar. E, mais do que nunca, não deixe para molhá-la somente amanhã. Acredite, sua recompensa será maior do que qualquer uma que um dia você esperava... Vocês vão florescer juntos.


Brasília, 13 de setembro de 2006.






Carta de Apresentação


 Busco, acima de todas as coisas, a vivência.
 Não a vivência desmedida,
 desacralizada,
 incompreendida,
 ou vitimizada.
 Busco o leve e o pesado,
 o sonho e o real,
 o Preto e o Branco.
 Colorido quando tudo turva,
 Quando a vida encurva, entorta, engana.
 Prefiro mais ser soberana das atitudes,
 Das virtudes nas entranhas!
 Para que delas faça o que bem quiser,
 o que bem-querer,
 o que mal-me-quer,
 o que sem querer farei num repente...
 Para que um dia,
 Ainda que de tudo um pouco eu saiba,
 Minhas ações falem mais que a minha fala.

Brasília, 18 de outubro de 2006.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Amores Perecíveis


Muito já se falou em fim do mundo: a profecia maia - assim interpretada por algumas mentes mais pessimistas - traz em si a mensagem de que temos pouco mais de um ano para rever nossas atitudes e gerar uma atmosfera de fraternidade e compreensão mútua. Quem somos nós para contestar? Quer seja o fim do mundo (caracterizado pelo número mais temeroso da atualidade, o 2012), quer seja profundas mudanças que envolvem apenas a “morte psicológica” e não a física, o fato é que todos nós temos vivenciado pequenos períodos de “fim do mundo”, ou do mundo tal qual o conhecemos.
Permitam-me falar de minha própria experiência. Há dois anos venho vivenciando o que posso chamar de “fim do mundo particular”. Foi quando virei mãe - a “morte psicológica” da mulher independente, livre e solta a correr pelos campos verdes da vida sem compromissos, que gera, em seu interior, o nascimento da mulher madura, responsável por uma vida que não é a sua – casei, separei, voltei a ser a mulher solta, mas agora solta num mundo desconhecido, no verde castigado pelo fogo, enquanto sentia a chuva vagarosamente trazendo de volta a vida aos campos áridos do sentimento. Posso dizer que ainda ando por esses campos reflorestando meus pensamentos e plantando novas sementes de emoção, pois a mudança nunca é fácil. Nunca passamos por ela ilesos.
Aqueles que acreditam serem “imunes” às mudanças, ou que tem a noção ilusória de controle absoluto (acreditem, eu já fui assim), apenas passam pelas mudanças tropeçando e criando uma pseudoadaptação, uma transformação irreal de um estado cômodo na crença no controle total para um de total ignorância. Daí é que surgem o sofrimento, a depressão, a mania, a ansiedade, e tantos outros problemas psicológicos dos quais temos notícia hoje. Os que resistem à mudança ou têm medo dela, desmantelam-se em seus “fins de mundo particulares”, e ignoram a ideia de que, na verdade, o mundo não acabou... mas apenas aquele mundo de ilusões no qual viviam antes.
As mudanças sempre foram, injustamente, encaradas como vilãs. No entanto, aludindo à célebre frase de Fernando Pessoa, eu diria: Mudar é preciso... Para assim podermos também viver. Porque (perdão, Fernando Pessoa!) viver também é preciso.
Mas voltemos ao fim do mundo, pois ainda o leitor não sabe o porquê do título deste texto. Quero chamar a atenção agora para um fato que, sob meu ponto de vista, atrela-se à noção tão temida de fim do mundo. O mundo pode sim estar acabando... E este fim começa pela perenidade dos sentimentos. Hoje em dia, acreditar que se está “amando” alguém é tão simples como dizer: “Acabei de ver um filme e amei!” Simples assim. Perdeu-se a noção do que é amor. Confunde-se amor com paixão e, quando o “amor” acaba, não sobra mais nada pra contar história. Nada mesmo. Pois as pessoas dizem que se “amam” antes mesmo de se conhecer.
As pessoas dizem que “amam” pela identificação com algo que veem no outro, e que não veem em si mesmos. Confunde-se essa identificação, gerada pela necessidade de ter em si uma característica encontrada no outro, juntamente à atração sexual, com o que seria amor.
Os antigos – antes do século XX – podiam dizer que amavam, no sentido de aproximar-se do outro sem poder de fato se aproximar. Não havia a possibilidade de realizar esse amor, que era, portanto, um amor idealizado, irreal (no sentido de fora da realidade). Nos tempos de hoje, o “amor” realiza-se primeiro de forma física, para só depois realizar-se no plano do pensamento. Os amantes, dessa forma, ao contrário dos antigos, não pensam a outra pessoa em sua essência, e entram em contato com a pessoa no plano físico de uma forma superficial. Porém, mesmo o “amor” de hoje aproxima-se do amor antigo pelo simples fato de ser idealizado, e posteriormente há o choque inevitável do ideal com o real.
Permitam-me insistir na comparação de hoje com o amor romântico de antigamente, sem que isso signifique que esteja endossando aquela atitude. Muito pelo contrário. Ambos ainda não se aproximam da real noção de amor. Mas, hoje em dia, ao contrário de antigamente, a realização superficial do amor, que não perpassa o campo do pensamento, torna-se totalmente perecível. Ao realizar-se o amor no pensamento, é possível que ele perdure um pouco mais, que haja mais vontade de insistir. No entanto, o amor superficial esbarra nas necessidades do ego, e a pessoa acaba dando preferência para si em detrimento da sua relação com o outro. O que é bem parecido com a noção que se tem hoje a respeito das coisas: móveis, eletrodomésticos, eletrônicos, carros... Tudo é feito para ser perecível. É aquela noção de consumismo mesmo: obtenha um amor agora, sabendo que haverá outro logo ali na esquina se esse não te aprouver. Ou seja, não há intimidade, porque não há a noção de que pode durar para a vida toda.
Mais uma vez, falando de minha experiência, sou a favor do perdurável, do duradouro... Mas não do estático e estanque. Para quem já viveu um amor perecível, como eu, posso dizer que, para que o amor não se desfaça ao primeiro vento mais forte que passe carregando tudo, é preciso que se saiba lidar com os pequenos “fins do mundo” dos amores possíveis. Saber trilhar um caminho juntos não é esperar apenas por noites estreladas e campos verdes... Mas saber agarrar-se ao amor mais profundo quando as mudanças, necessárias, e o “fim do mundo” parecem estar próximos...