Quem me conhece sabe que não gosto de clichês, coisas óbvias ou sem nada a se descobrir nas entrelinhas. Mas, improvavelmente, este será um texto um tanto quanto clichê, e nem tanto. Falar sobre amores e desamores sempre será um clichê, mas é possível ver a magia por trás da obviedade se os abordarmos de formas inusitadas...
Uma das minhas “atividades” de domingo ultimamente tem sido olhar o caderno de empregos no maior jornal da cidade. Época de vacas magras (ou vacas à beira da morte por desnutrição), crise financeira, bolsas que sobem e descem e uma carteira permanentemente vazia me levaram a ser quase uma expert em anúncios do tipo. Um dia me peguei analisando atentamente cada um deles, como quem realiza um achado científico. Títulos, formatos, erros, nada me escapava. Achei aquilo divertido e, obviamente, esqueci-me da minha árdua tarefa de me ater ao conteúdo do que lia. Já não eram mais anúncios de jornal, colocava minhas palavras em cima de cada um deles, à procura do anúncio perfeito. À procura? “Procura-se”. `Procura-se? Há quanto tempo não via um anúncio daquele tipo! Aquilo me deu uma ideia clichê, mas encantadoramente inusitada.
Todos procuramos algo. Um emprego, um carro, um imóvel, um sonho, um amigo, um amor... Certo, certo, eu disse que não gosto de clichês, mas quem não é clichê nesta vida? Se todos compartilhamos de um mesmo sentimento ou de uma mesma procura, isso não quer dizer que seja algo óbvio, porque cada um tem sua forma de procurar.
Comecei a imaginar anúncios do tipo “Procura-se” para o amor. Qualquer tipo de amor. De mãe, de pai, de amigo, de animal, de homem, de mulher, de amor-próprio... De amor. Como eles seriam? Existiriam os objetivos e concisos, que se contentam com pouco:
“Procura-se amor, homem, goste de crianças, não fume, durma.”
Outros poéticos e arrebatadores:
“Procura-se um amor, além de gênero e espécie, além de alegria e dor, para compartilhar momentos em série. Não exijo experiência! Traga apenas a mim a vivência.”
Alguns poderiam ser melodramáticos, cheios de nuances dignos de uma grande tragédia grega:
“Procuro-te, ó, metade perdida! Minha alma não terá aconchego sem tua presença! Tu, que trarás a mim teus segredos, repousa tua fronte em meu peito, para que este coração volte a pulsar!”
Outros, misteriosos em seu grave suspense:
“Procura-se... Se quiser saber, procure-me.”
Quem sabe os sérios e formais?
“Procura-se pessoa comprometida, mas não casada, que possua aptidões cooperativas. Ofereço alimentação, moradia e demais benefícios.”
Por que não os engraçados, dignos de um pastelão?
“Procura-se uma pessoa que seja alguém, que goste de alguma coisa, que venha de algum lugar e que saiba fazer algo. Ei, parece com você!”
Por fim... Não poderia faltar como seria meu anúncio, se eu fosse fazer um:
“Procura-se alguém com um passado, que viva a vida no presente e pense sempre que haverá um futuro.
Procura-se alguém para amar, que queira e precise ser amado, alguém que poderia ser eu mesma, mas que deveria ser outra pessoa.
Procura-se uma pessoa que compartilhe comigo o mesmo universo, mesma galáxia, mesmo planeta e, no futuro, a mesma cama.
Procura-se uma pessoa que goste de crianças, animais, noites estreladas, luas cheias, árvores frondosas, mulheres, homens, novos e velhos, e o que mais encontrar pela frente.
Procura-se uma pessoa que não goste da injustiça, do ódio, da indiferença, da vingança, do pesar, do sofrimento, e tudo mais que possa prejudicar aquilo que gosta.
Procura-se uma pessoa que lute pelo que acredite e que acredite naquilo pelo qual luta, que fale o que faz e que faça o que fale.
Procura-se alguém que conheça seus limites e tente superar aqueles que podem ser superados.
Procura-se alguém que conheça e compreenda os próprios defeitos e que tente ser uma pessoa melhor a cada instante.
Procura-se uma pessoa que saiba fazer uma coisa que ninguém sabe e que tenha aquelas características bobas que todo mundo tem.
Procura-se alguém que fale e pense de acordo com o que sente, e que sinta aquilo que pensa e fala.
Procura-se uma pessoa que tenha princípios, crenças e convicções, mas que não sejam tão inflexíveis a ponto de não respeitar os princípios, crenças e convicções alheios.
Procura-se uma pessoa que se apaixone, ame e viva com a mesma intensidade todos os dias, ou um pouquinho mais nos dias de primavera.
Procura-se alguém que fique feliz ao ver a chuva, que vibre com um broto de flor, que se alegre com um desenho feito por uma criança, e entenda que a vida, na verdade, é simples como cada uma dessas coisas.
Procura-se alguém que também procure, para que possamos nos encontrar; alguém que, ainda que não tenha nada do que eu procure, e eu não tenha nada do que ele procure, nos encontremos num ponto no meio, onde tudo é exatamente do jeito que procuramos.”
Depois de pensar tudo isso, deixei minhas aventuras no mundo dos anúncios de lado. Afinal... Será que alguém responderia a um anúncio como esse? Diz um ditado popular que quem espera sempre alcança. Eu diria que quem procura, com todo o coração, um dia encontra... Mesmo que não seja nada daquilo que procurava.
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