Utilizando...

Utilidade:
s.f. Qualidade de útil.
Objeto útil; emprego, uso, serventia.
Útil: adj. Que tem uso, préstimo ou serventia; que satisfaz uma necessidade. Que traz vantagem, proveito ou benefício;

Todos os textos aqui postados me foram úteis em alguma fase da vida. E têm uma utilidade atemporal, perpétua. Longe de pedir por aprovação ou pretenderem marcar o leitor em algum momento, estes textos desejam e objetivam a utilidade. Não pedem reconhecimento ou aplausos, amor ou ódio; A utilidade é livre para o pretexto, o texto que quiser. Querem, porém, seu respeito. Podem não ser de todo belos, éticos, saudáveis, proféticos. Mas pedem que, se utilizados, tenham sua autoria reconhecida, como um preço justo e nada caro. Leia, releia, use, utilize. Mas dê a eles o sobrenome, pois todos tem mãe.
Assim, faça deles o uso (ou a utilidade) que quiser.

Raquel Capucci


sábado, 19 de novembro de 2011

Esquecimento

Devo esquecer...
Não porque queira,
Não apenas para rever
um sentimento que vive à beira
de um ataque de nervos...

Coisas que não sei
somente por não ter vivido,
Mas que pulsam para fora dos sentidos
rumo a cantos desconhecidos
de onde o amor ainda é rei...

Ainda assim, devo esquecer,
não porque não me lembre mais,
mas porque não sou capaz,
neste momento, de sobreviver
à morte precoce por desilusão...

Invento momentos que não vivi,
dores que não senti,
sentimentos que não conheço,
pois só assim, esqueço...

Esqueço que ainda sou mulher,
que ainda posso viver momentos
sem lamentos e tormentos,
todos esses grandes inventos
reprimidos no coração...

Tendo o mundo numa colher
para colher e recolher sonhos que me escapam,
avançam, ultrapassam
minha por vezes ingênua compreensão...

Perdão...
Não pretendia me sentir assim.
Tanto começo e tanto fim
fizeram-me pensar mais em mim,
ou menos...

Nos mesmos termos,
Juro que não pretendo
preservar uma fantasia sem pé nem cabeça,
mesmo que com coração, mente e sonho...
E, ainda que eu esqueça,
o que poderia ser mais medonho
Que esse desejo de ter algo
que eu nem sei o que é?...


sábado, 12 de novembro de 2011

O Silêncio

Não costumo falar sobre religião, crença ou fé com frequência, muito menos usar exemplos de livros sagrados. Mas, hoje, peço permissão à minha escrita imparcial para fazer aqui uma citação de um livro que a grande maioria conhece e, se não conhece, já teve algum contato com ele: a Bíblia.
Em uma passagem da Bíblia se diz que “No princípio era o Verbo.” Sem entrar em discussões religiosas, permitam-me defender minha ideia. Entendo Verbo, nesse caso, como ação. No princípio era a ação. Entretanto, vislumbrando de longe o universo e presenciando descobertas sobre seu movimento, suas mudanças e as teorias sobre a sua criação e recriação, mesmo a pessoa leiga a respeito da ciência dos astros pode perceber que o universo é, principalmente, feito de pausas e de silêncio. Não só pelo fato de tudo nele ser vácuo e o som como o conhecemos precisar de um meio palpável como o ar para se propagar, mas também pelos grandes períodos de quietude em que tudo parece estático, principalmente para si mesmo. Ainda que não pare em seu movimentar eterno, são nas pausas e no silêncio que o universo faz sua transformação.
Em nosso mundo de hoje, onde somos obrigados a produzir e a superar nossos limites em milésimos de segundos, nossos sentidos são bombardeados por estímulos de todos os lados. Embora seja difícil evitá-los, podemos não tatear o que vemos, fechar os olhos para não enxergar, retirar-nos de um ambiente para não sentir um cheiro, deixar de provar o sabor de um alimento. Mas experimente, por um momento, não ouvir. Protetores auriculares existem, claro, posso ouvi-los dizer. Mesmo assim, as nossas células auditivas são sensíveis e as primeiras a entrar em funcionamento em nosso corpo em formação. É possível, ao deitar-se para dormir, ouvir relances de sons com os quais nos deparamos durante o dia, como se tivessem ficado impressos em nossos ouvidos. Ao pensarmos assim, podemos entender a necessidade do silêncio, de adentrar o Nada que nos transporta para o preenchimento.
São inúmeros os relatos de grandes descobertas que foram feitas em uma pausa, quando o corpo e o cérebro estavam em silêncio. Arquimedes que o diga. Costumamos fugir do vazio e do silêncio como se ele fosse improdutivo, desconfortável, ameaçador. O buraco negro é um desafio para os astrônomos, pois ele é aquele vazio e aquele silêncio que suga para si tudo que parece fértil e pleno. Se fôssemos a fundo em sua natureza, entenderíamos que ele é uma pausa do universo, algo que já havia sido grandioso e passa pela fase de nutrir-se, literalmente, para que algo possa ser transmutado, transcendido.
Uma música, mesmo a mais frenética, não existe sem as suas pausas. É um silêncio quase imperceptível, que mantém a harmonia do conjunto. O recurso de retirar ou colocar mais pausas numa música é usado para suscitar determinado sentimento no ouvinte. O corpo dá pausas entre um movimento e outro. Mas não pense você que o silêncio não proporciona nada além da pausa, do descanso às nossas células auditivas hiperativas, da nutrição para a mudança. Muito pelo contrário. É nele que reside o pulsar criativo, quando vamos buscar em algum lugar que desconhecemos dentro de nós, ou no universo, que de outra forma não poderia ser acessado, e que nos proporciona a resposta que procuramos. Fazer muito ruído em volta de um assunto, tema, trabalho, sentimento ou até uma pessoa, atrapalha o escutar da solução.
Deixe-me fazer uma pequena modificação no trecho citado no início deste texto: “No princípio era o Silêncio.” Antes do verbo, existiu o silêncio... Antes da ação, existiu a pausa. E um não existiu mais sem o outro. Ao invés de acharmos que o divino reside na palavra, na ação, no nome, no sentido, devemos lembrar que ele reside também no silêncio, na pausa, no descanso, na meditação. Buscar a si mesmo requer também calar-se e apreciar. Na contemplação reside a solução. No princípio, e também no fim, está o silêncio...

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Ode à madrugada

O que há na madrugada
que inspira os pensamentos?
Será a proximidade do sonho,
a distância da alvorada
ou os pontos luminosos do firmamento?
Antes da Lua Cheia estar a pino,
o vento sopra feito menino,
brinca com as folhas, pimpolhas,
atiça os cabelos e os desejos carnais
dos casais em alvoroço.
De madrugada é imponente e maduro,
forte combatente das árvores sonolentas,
preguiçosas em seu oxigênio,
gerando o gênio da própria insolência...
De madrugada o vento é barão,
sopra robusto e seguro
como que vindo com pretensões europeias,
falando-me das doces epopeias dos heróis...
O que há na madrugada
que me tira dos meus lençóis
e me atira nos braços do devaneio,
me traz por teus abraços o anseio
e me faz abrir a poesia?
Quando do raiar do dia,
com sua incessante correria,
os pensamentos me fogem
como lépidas borboletas,
dançando feito bailarinas espoletas,
e somem, e a inspiração consomem...
Mas ainda sei que ela,
a doce dama dos mortais,
a grande deusa dos portais,
retornará soberana sucedendo a noite,
Anciã, Mãe e Donzela,
livrando-me do corte do açoite,
que ao nascer do Sol dilacera os sonhos...
Na madrugada voo para onde quiser,
mudo de direção se me aprouver.
Busco a ti, chego a mim,
chegando sempre ao doce sim sem fim...
O que há na madrugada
que inspira os sentimentos?


Brasília, 09 de novembro de 2011. (3:38h – 3:59h)

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Procura-se

Quem me conhece sabe que não gosto de clichês, coisas óbvias ou sem nada a se descobrir nas entrelinhas. Mas, improvavelmente, este será um texto um tanto quanto clichê, e nem tanto. Falar sobre amores e desamores sempre será um clichê, mas é possível ver a magia por trás da obviedade se os abordarmos de formas inusitadas...
Uma das minhas “atividades” de domingo ultimamente tem sido olhar o caderno de empregos no maior jornal da cidade. Época de vacas magras (ou vacas à beira da morte por desnutrição), crise financeira, bolsas que sobem e descem e uma carteira permanentemente vazia me levaram a ser quase uma expert em anúncios do tipo. Um dia me peguei analisando atentamente cada um deles, como quem realiza um achado científico. Títulos, formatos, erros, nada me escapava. Achei aquilo divertido e, obviamente, esqueci-me da minha árdua tarefa de me ater ao conteúdo do que lia. Já não eram mais anúncios de jornal, colocava minhas palavras em cima de cada um deles, à procura do anúncio perfeito. À procura? “Procura-se”. `Procura-se? Há quanto tempo não via um anúncio daquele tipo! Aquilo me deu uma ideia clichê, mas encantadoramente inusitada.
Todos procuramos algo. Um emprego, um carro, um imóvel, um sonho, um amigo, um amor... Certo, certo, eu disse que não gosto de clichês, mas quem não é clichê nesta vida? Se todos compartilhamos de um mesmo sentimento ou de uma mesma procura, isso não quer dizer que seja algo óbvio, porque cada um tem sua forma de procurar.
Comecei a imaginar anúncios do tipo “Procura-se” para o amor. Qualquer tipo de amor. De mãe, de pai, de amigo, de animal, de homem, de mulher, de amor-próprio... De amor. Como eles seriam? Existiriam os objetivos e concisos, que se contentam com pouco:
Procura-se amor, homem, goste de crianças, não fume, durma.”
Outros poéticos e arrebatadores:
Procura-se um amor, além de gênero e espécie, além de alegria e dor, para compartilhar momentos em série. Não exijo experiência! Traga apenas a mim a vivência.”
Alguns poderiam ser melodramáticos, cheios de nuances dignos de uma grande tragédia grega:
Procuro-te, ó, metade perdida! Minha alma não terá aconchego sem tua presença! Tu, que trarás a mim teus segredos, repousa tua fronte em meu peito, para que este coração volte a pulsar!”
Outros, misteriosos em seu grave suspense:
Procura-se... Se quiser saber, procure-me.”
Quem sabe os sérios e formais?
Procura-se pessoa comprometida, mas não casada, que possua aptidões cooperativas. Ofereço alimentação, moradia e demais benefícios.”
Por que não os engraçados, dignos de um pastelão?
Procura-se uma pessoa que seja alguém, que goste de alguma coisa, que venha de algum lugar e que saiba fazer algo. Ei, parece com você!”
Por fim... Não poderia faltar como seria meu anúncio, se eu fosse fazer um:

Procura-se alguém com um passado, que viva a vida no presente e pense sempre que haverá um futuro.
Procura-se alguém para amar, que queira e precise ser amado, alguém que poderia ser eu mesma, mas que deveria ser outra pessoa.
Procura-se uma pessoa que compartilhe comigo o mesmo universo, mesma galáxia, mesmo planeta e, no futuro, a mesma cama.
Procura-se uma pessoa que goste de crianças, animais, noites estreladas, luas cheias, árvores frondosas, mulheres, homens, novos e velhos, e o que mais encontrar pela frente.
Procura-se uma pessoa que não goste da injustiça, do ódio, da indiferença, da vingança, do pesar, do sofrimento, e tudo mais que possa prejudicar aquilo que gosta.
Procura-se uma pessoa que lute pelo que acredite e que acredite naquilo pelo qual luta, que fale o que faz e que faça o que fale.
Procura-se alguém que conheça seus limites e tente superar aqueles que podem ser superados.
Procura-se alguém que conheça e compreenda os próprios defeitos e que tente ser uma pessoa melhor a cada instante.
Procura-se uma pessoa que saiba fazer uma coisa que ninguém sabe e que tenha aquelas características bobas que todo mundo tem.
Procura-se alguém que fale e pense de acordo com o que sente, e que sinta aquilo que pensa e fala.
Procura-se uma pessoa que tenha princípios, crenças e convicções, mas que não sejam tão inflexíveis a ponto de não respeitar os princípios, crenças e convicções alheios.
Procura-se uma pessoa que se apaixone, ame e viva com a mesma intensidade todos os dias, ou um pouquinho mais nos dias de primavera.
Procura-se alguém que fique feliz ao ver a chuva, que vibre com um broto de flor, que se alegre com um desenho feito por uma criança, e entenda que a vida, na verdade, é simples como cada uma dessas coisas.
Procura-se alguém que também procure, para que possamos nos encontrar; alguém que, ainda que não tenha nada do que eu procure, e eu não tenha nada do que ele procure, nos encontremos num ponto no meio, onde tudo é exatamente do jeito que procuramos.”

Depois de pensar tudo isso, deixei minhas aventuras no mundo dos anúncios de lado. Afinal... Será que alguém responderia a um anúncio como esse? Diz um ditado popular que quem espera sempre alcança. Eu diria que quem procura, com todo o coração, um dia encontra... Mesmo que não seja nada daquilo que procurava.