Utilizando...

Utilidade:
s.f. Qualidade de útil.
Objeto útil; emprego, uso, serventia.
Útil: adj. Que tem uso, préstimo ou serventia; que satisfaz uma necessidade. Que traz vantagem, proveito ou benefício;

Todos os textos aqui postados me foram úteis em alguma fase da vida. E têm uma utilidade atemporal, perpétua. Longe de pedir por aprovação ou pretenderem marcar o leitor em algum momento, estes textos desejam e objetivam a utilidade. Não pedem reconhecimento ou aplausos, amor ou ódio; A utilidade é livre para o pretexto, o texto que quiser. Querem, porém, seu respeito. Podem não ser de todo belos, éticos, saudáveis, proféticos. Mas pedem que, se utilizados, tenham sua autoria reconhecida, como um preço justo e nada caro. Leia, releia, use, utilize. Mas dê a eles o sobrenome, pois todos tem mãe.
Assim, faça deles o uso (ou a utilidade) que quiser.

Raquel Capucci


sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Tão longe e tão perto... Alguns devaneios sobre os relacionamentos à distância.


“Ninguém entra na nossa vida por acaso.”
Quem de nós nunca ouviu essa frase? Arrisco dizer, sem medo de errar, que todos nós já a ouvimos - ou lemos – em algum momento da nossa vida, em nossa língua pátria ou não. Alguns podem ter ouvido ou lido com olhos e ouvidos completamente descrentes. Outros, com a crença de que várias coisas transcendem nossa compreensão, entendem-na como uma espécie de lei natural aplicável aos acontecimentos inexplicáveis – chamando-os de coincidência ou, mais apropriadamente, de sincronicidade.
Se for realmente verdade que ninguém entra em nossa vida por acaso, o que dizer dos acasos acontecidos no mundo virtual? E o que dizer então quando desses acasos – ou coincidências, ou sincronicidades – decorre o interesse por um alguém geralmente a quilômetros de distância, visto na maior parte das vezes detrás de uma tela em uma imagem em duas dimensões? E se nos deparamos preenchidos com sentimentos em dimensões antes não imaginadas por essa mesma imagem sem corpo, e nos percebemos comprometidos com um namoro à distância?... Deixemos a ideia do acaso de lado por agora, reservando-a talvez para algum outro texto, para pensarmos sobre esse assunto tão ou até mais misterioso do que a suposta “lei natural”.
“Namoro à distância?!” É possível ver narizes torcidos em toda parte quando esse assunto é lançado. Como é possível intimidade sem contato diário, sem presença, sem olhares, sem carinho? De fato, não é possível um relacionamento sem nenhum desses ingredientes se considerarmos que nele está envolvido, idealmente, o amor como sentimento. Mas pergunte para a maioria dos casais que mantêm um relacionamento à distância e ouvirá a resposta... É possível, sim. Se ambos estiverem dispostos a assumir as consequências que decorrem dessa decisão, seja o contato físico infrequente, o gasto financeiro com viagens para viabilizar o encontro, a tristeza de querer ver o outro todo dia e não poder. Tudo absolutamente contornável... Desde que haja, dos dois lados, a disponibilidade para lidar com tudo isso. E, obviamente, a certeza de que estar envolvido com aquela pessoa vale realmente todo o esforço.
O namoro à distância não é um privilégio do mundo pós-internet. Existem histórias de casais que se conheceram em algum momento e trocaram correspondências ou telefonemas por dias, meses e até anos a fio até que pudessem estar juntos. Se esses relacionamentos deram certo? Não é esse o ponto de discussão aqui. Afinal, se proximidade física fosse realmente o ingrediente determinante para o sucesso num relacionamento, não teríamos tantos casais pedindo o divórcio depois de anos morando sob o mesmo teto e dividindo a mesma pasta de dentes.
Sem querer, entramos em outro ponto chave: o sucesso de um relacionamento. Talvez os que não acreditem num namoro à distância tenham sua razão, no sentido de que a saudade e a impossibilidade de estar perto é um fator de sofrimento quando estamos envolvidos. A paixão pede por presença, por toque, por carícias, por luxúria, por tesão. É ótimo sentir tudo isso naquele frenesi das pupilas dilatadas e mãos frias do início de um relacionamento, quase como uma droga que se toma e não se quer mais largar. Já vi vários relacionamentos se desmantelando depois que o efeito dessa “droga” viciante tenha passado. O amor, o qual tantos juram sentir, transcende a necessidade da viagem química da paixão, que se torna apenas uma especiaria necessária, mas não imprescindível.
É fato que muitas pessoas não se adaptam à sensação incômoda da distância. Seja por acreditarem que aparecerão “pessoas mais interessantes” ou “tentações” muito mais poderosas do que aquela imagem sem muito apelo aos sentidos, seja por serem antiquadas, no sentido de achar que um relacionamento que não tem presença não é um relacionamento de verdade. Temos que concordar que se a pessoa da imagem em duas dimensões não despertou algo além da mera aparição por trás da tela, não faz o menor sentido se dedicar a um relacionamento que demande tanto do nosso esforço, tempo e dedicação. Mas se, pelo contrário, aquela for a pessoa que despertou em nós sentimentos antes não vividos, suscitou pensamentos do qual não fazíamos ideia, se foi alvo de um aperto no coração e da saudade de ouvir sua voz sem nenhum motivo... não há distância que justifique se desfazer de tudo isso.
É provável que a conexão intelectual, a identificação com princípios e compreensão de vida seja mais importante do que o convívio diário para algumas pessoas. Na juventude, quando somos mais imediatistas e eufóricos com a novidade, a impossibilidade de estar diariamente com o alvo do nosso desejo com certeza mina qualquer inclinação para o relacionamento; conforme criamos certo nível de distanciamento em relação a essas questões, ou quando amadurecemos e reavaliamos nossas prioridades, passamos a dar mais valor àquilo que nos aproxima da essência da outra pessoa, muito mais do que sair à noite, assistir a um filme juntos toda semana, passear de mãos dadas, fazer declarações ao pé do ouvido ou qualquer coisa do gênero. O mais fantástico é que quando isso acontece realmente entre duas pessoas maduras toma dimensões espiritualizadas, dotadas daquele algo que vai além do mero sair, assistir filme, dar as mãos, falar ao ouvido. E quando isso vem recheado de saudades... Pode se tornar quase a recriação do universo.
Não tenho intenção de defender um dos lados aqui. Uma experiência de relacionamento, seja ela à distância ou não, precisa de certo nível de intimidade e, principalmente, cumplicidade para poder acontecer. E, neste ponto, é fato que um relacionamento no qual não se convive diariamente com a outra pessoa, em suas virtudes e defeitos, tende a ter um nível muito maior de idealização, levando a imaginação a alçar voos muito além da realidade. Esse é o grande perigo de se viver um relacionamento que não existe de verdade, seja ele vivido por olhos nos olhos, seja pelas lentes frias de uma câmera.
Por muito tempo acreditei que para se conhecer uma pessoa de verdade era preciso pisar o mesmo chão, mas os últimos dois séculos da história da humanidade nos ensinaram a rever nossa noção de relacionamento e, principalmente, de relacionamento feliz. Dizer sim em frente a um juiz e deitar-se na mesma cama não é mais sinônimo de um relacionamento longevo, e muito menos de um relacionamento feliz.
Depois de ter sido casada, posso dizer que a frase que ouvi a vida inteira sem entender passou a fazer sentido: “Para se conhecer alguém é preciso comer, juntos, um quilo de sal.” Esse dito popular encerra não só a noção de tempo - pois não é possível comer um quilo de sal numa só refeição – como também a sabedoria a respeito do que é difícil de fazer sem nenhum outro recurso externo, contando apenas consigo mesmo e com o outro. Comer o sal significa provar do desgosto da vida, do que no início parece ser fácil de lidar, mas que com o tempo revela dificuldades profundas, desespero, amargura e a “seca” por dentro. Já ouvi muitas histórias de casamentos de algumas dezenas de anos que acabam em ruínas quando um problema maior se apresenta, e nem os anos de saídas, filmes, mãos dadas, frases ao ouvido, sexo, filhos e tudo que disso decorre foram capazes de manter aquela faísca inicial acesa.
Uma vez ouvi de uma pessoa muito sábia a seguinte frase: “A energia do universo não conhece espaço e tempo. O amor não reconhece relógio ou GPS, e por isso mesmo ele se apresenta em qualquer lugar ou tempo onde haja empatia.” Costumo dizer que o mundo é vasto demais – e hoje globalizado demais – para acharmos que a pessoa mais compatível conosco é aquela que mora a alguns quarteirões de nós.
O espírito não conhece barreiras, para aqueles que nele acreditam, e o mundo moderno nos deu ferramentas para extravasar nosso corpo físico. A saudade nos levou a inventar formas de estarmos perto: a cavalo, de avião, ao telefone, na frente da webcam, num pedaço de papel escrito, debaixo dos lençóis de uma cama ou tendo como testemunha o céu estrelado. As ondas do pensamento não conhecem limites, não são presas por fios ou redes sem fio. Se duas pessoas realmente quiserem, seu amor encontrará formas para que fiquem juntas...
Namoro à distância? Se você tiver disposição, e se aquela imagem em duas dimensões, a voz entrecortada por falhas na conexão, o olhar quase imperceptível pela luz inadequada, o cheiro que se sabe existir e que se faz força para imaginar ou lembrar, o toque que talvez encontre seu caminho em poucos segundos de presença é tudo o que suscita a complementação que você esperava e não encontrou nos olhares a poucos palmos de distância... Por que não?



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