“Ninguém entra na nossa
vida por acaso.”
Quem de nós nunca ouviu essa
frase? Arrisco dizer, sem medo de errar, que todos nós já a ouvimos - ou lemos –
em algum momento da nossa vida, em nossa língua pátria ou não. Alguns podem ter
ouvido ou lido com olhos e ouvidos completamente descrentes. Outros, com a
crença de que várias coisas transcendem nossa compreensão, entendem-na como uma
espécie de lei natural aplicável aos acontecimentos inexplicáveis – chamando-os
de coincidência ou, mais apropriadamente, de sincronicidade.
Se for realmente verdade
que ninguém entra em nossa vida por acaso, o que dizer dos acasos acontecidos
no mundo virtual? E o que dizer então quando desses acasos – ou coincidências,
ou sincronicidades – decorre o interesse por um alguém geralmente a quilômetros
de distância, visto na maior parte das vezes detrás de uma tela em uma imagem em
duas dimensões? E se nos deparamos preenchidos com sentimentos em dimensões
antes não imaginadas por essa mesma imagem sem corpo, e nos percebemos comprometidos
com um namoro à distância?... Deixemos a ideia do acaso de lado por agora,
reservando-a talvez para algum outro texto, para pensarmos sobre esse assunto tão
ou até mais misterioso do que a suposta “lei natural”.
“Namoro à distância?!” É
possível ver narizes torcidos em toda parte quando esse assunto é lançado. Como
é possível intimidade sem contato diário, sem presença, sem olhares, sem
carinho? De fato, não é possível um relacionamento sem nenhum desses
ingredientes se considerarmos que nele está envolvido, idealmente, o amor como
sentimento. Mas pergunte para a maioria dos casais que mantêm um relacionamento
à distância e ouvirá a resposta... É possível, sim. Se ambos estiverem
dispostos a assumir as consequências que decorrem dessa decisão, seja o contato
físico infrequente, o gasto financeiro com viagens para viabilizar o encontro, a
tristeza de querer ver o outro todo dia e não poder. Tudo absolutamente contornável...
Desde que haja, dos dois lados, a disponibilidade para lidar com tudo isso. E,
obviamente, a certeza de que estar envolvido com aquela pessoa vale realmente
todo o esforço.
O namoro à distância não
é um privilégio do mundo pós-internet. Existem histórias de casais que se
conheceram em algum momento e trocaram correspondências ou telefonemas por
dias, meses e até anos a fio até que pudessem estar juntos. Se esses relacionamentos
deram certo? Não é esse o ponto de discussão aqui. Afinal, se proximidade
física fosse realmente o ingrediente determinante para o sucesso num
relacionamento, não teríamos tantos casais pedindo o divórcio depois de anos
morando sob o mesmo teto e dividindo a mesma pasta de dentes.
Sem querer, entramos em
outro ponto chave: o sucesso de um relacionamento. Talvez os que não acreditem
num namoro à distância tenham sua razão, no sentido de que a saudade e a
impossibilidade de estar perto é um fator de sofrimento quando estamos
envolvidos. A paixão pede por presença, por toque, por carícias, por luxúria,
por tesão. É ótimo sentir tudo isso naquele frenesi das pupilas dilatadas e
mãos frias do início de um relacionamento, quase como uma droga que se toma e
não se quer mais largar. Já vi vários relacionamentos se desmantelando depois
que o efeito dessa “droga” viciante tenha passado. O amor, o qual tantos juram
sentir, transcende a necessidade da viagem química da paixão, que se torna
apenas uma especiaria necessária, mas não imprescindível.
É fato que muitas
pessoas não se adaptam à sensação incômoda da distância. Seja por acreditarem
que aparecerão “pessoas mais interessantes” ou “tentações” muito mais poderosas
do que aquela imagem sem muito apelo aos sentidos, seja por serem antiquadas,
no sentido de achar que um relacionamento que não tem presença não é um
relacionamento de verdade. Temos que concordar que se a pessoa da imagem em
duas dimensões não despertou algo além da mera aparição por trás da tela, não
faz o menor sentido se dedicar a um relacionamento que demande tanto do nosso
esforço, tempo e dedicação. Mas se, pelo contrário, aquela for a pessoa que
despertou em nós sentimentos antes não vividos, suscitou pensamentos do qual
não fazíamos ideia, se foi alvo de um aperto no coração e da saudade de ouvir
sua voz sem nenhum motivo... não há distância que justifique se desfazer de
tudo isso.
É provável que a conexão
intelectual, a identificação com princípios e compreensão de vida seja mais
importante do que o convívio diário para algumas pessoas. Na juventude, quando
somos mais imediatistas e eufóricos com a novidade, a impossibilidade de estar
diariamente com o alvo do nosso desejo com certeza mina qualquer inclinação
para o relacionamento; conforme criamos certo nível de distanciamento em
relação a essas questões, ou quando amadurecemos e reavaliamos nossas
prioridades, passamos a dar mais valor àquilo que nos aproxima da essência da
outra pessoa, muito mais do que sair à noite, assistir a um filme juntos toda
semana, passear de mãos dadas, fazer declarações ao pé do ouvido ou qualquer
coisa do gênero. O mais fantástico é que quando isso acontece realmente entre
duas pessoas maduras toma dimensões espiritualizadas, dotadas daquele algo que
vai além do mero sair, assistir filme, dar as mãos, falar ao ouvido. E quando
isso vem recheado de saudades... Pode se tornar quase a recriação do universo.
Não tenho intenção de
defender um dos lados aqui. Uma experiência de relacionamento, seja ela à
distância ou não, precisa de certo nível de intimidade e, principalmente,
cumplicidade para poder acontecer. E, neste ponto, é fato que um relacionamento
no qual não se convive diariamente com a outra pessoa, em suas virtudes e
defeitos, tende a ter um nível muito maior de idealização, levando a imaginação
a alçar voos muito além da realidade. Esse é o grande perigo de se viver um
relacionamento que não existe de verdade, seja ele vivido por olhos nos olhos,
seja pelas lentes frias de uma câmera.
Por muito tempo acreditei
que para se conhecer uma pessoa de verdade era preciso pisar o mesmo chão, mas
os últimos dois séculos da história da humanidade nos ensinaram a rever nossa
noção de relacionamento e, principalmente, de relacionamento feliz. Dizer sim
em frente a um juiz e deitar-se na mesma cama não é mais sinônimo de um
relacionamento longevo, e muito menos de um relacionamento feliz.
Depois de ter sido
casada, posso dizer que a frase que ouvi a vida inteira sem entender passou a fazer
sentido: “Para se conhecer alguém é preciso comer, juntos, um quilo de sal.”
Esse dito popular encerra não só a noção de tempo - pois não é possível comer
um quilo de sal numa só refeição – como também a sabedoria a respeito do que é
difícil de fazer sem nenhum outro recurso externo, contando apenas consigo
mesmo e com o outro. Comer o sal significa provar do desgosto da vida, do que
no início parece ser fácil de lidar, mas que com o tempo revela dificuldades
profundas, desespero, amargura e a “seca” por dentro. Já ouvi muitas histórias
de casamentos de algumas dezenas de anos que acabam em ruínas quando um
problema maior se apresenta, e nem os anos de saídas, filmes, mãos dadas,
frases ao ouvido, sexo, filhos e tudo que disso decorre foram capazes de manter
aquela faísca inicial acesa.
Uma vez ouvi de uma
pessoa muito sábia a seguinte frase: “A energia do universo não conhece espaço
e tempo. O amor não reconhece relógio ou GPS, e por isso mesmo ele se apresenta
em qualquer lugar ou tempo onde haja empatia.” Costumo dizer que o mundo é
vasto demais – e hoje globalizado demais – para acharmos que a pessoa mais
compatível conosco é aquela que mora a alguns quarteirões de nós.
O espírito não conhece
barreiras, para aqueles que nele acreditam, e o mundo moderno nos deu ferramentas
para extravasar nosso corpo físico. A saudade nos levou a inventar formas de estarmos
perto: a cavalo, de avião, ao telefone, na frente da webcam, num pedaço de
papel escrito, debaixo dos lençóis de uma cama ou tendo como testemunha o céu
estrelado. As ondas do pensamento não conhecem limites, não são presas por fios
ou redes sem fio. Se duas pessoas realmente quiserem, seu amor encontrará
formas para que fiquem juntas...
Namoro à distância? Se
você tiver disposição, e se aquela imagem em duas dimensões, a voz entrecortada
por falhas na conexão, o olhar quase imperceptível pela luz inadequada, o
cheiro que se sabe existir e que se faz força para imaginar ou lembrar, o toque
que talvez encontre seu caminho em poucos segundos de presença é tudo o que
suscita a complementação que você esperava e não encontrou nos olhares a poucos
palmos de distância... Por que não?
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