Sentou-se à mesa mais
confortável que encontrou, perto da grande vitrine que dava para a rua. Era
costume seu – talvez pelos últimos... hum... dois anos, mais ou menos – sentar-se
em algum café da cidade aos finais de tarde, quando o mundo lá fora corria para
alcançar algo que não se sabia o que era. Talvez corresse atrás do tempo ou
para chegar antes, ou quem sabe ainda para adiar os acontecimentos. O motivo não
importava: o ritmo era frenético e, quase sempre, injustificável. Por que
correr se, em algum momento, todos chegarão onde querem?
O cansaço parecia ser o senhor
de toda aquela ansiedade. Olhos não se encontravam, mentes divagavam, e quando
um corpo tocava outro era por algum esbarrão pela falta de espaço para a
correria (atrás de algo que não se sabia o que era). Muitas vezes, não havia nem
tempo para pedir desculpas ou fazer um comentário simpático como “Ah, esta
correria!”. Não, cada qual continuava no próprio ritmo frenético.
Não participar daquela “normalidade”
forçada fora uma resolução sua. Por isso sentava-se quando todos corriam. Todas
as tardes adentrava um dos cafés da cidade, sentava-se perto da grande vitrine
que dava para a rua (quando não tinha vitrine, ficava ao lado da porta mesmo)
levando consigo um livro e um celular. Daqueles que traz tudo à disposição:
falar, escrever, navegar, escutar... ou ignorar, quando fosse o caso. Bastava
um clique num botão, e todo um mundo desaparecia. Um mundo onde as pessoas só
não corriam porque deviam ficar paradas fisicamente para usufruir dele.
Gostava de lidar com
coisas diferentes, mas intrinsecamente iguais. O livro e o celular, por
exemplo. Dois mundos, dois tempos. Gostava de revezar entre um e outro, brincar
de ir e vir de passado para presente, presente para passado, confortando-se por
não saber nada a respeito do futuro. Não tinha como saber quem seria a próxima
pessoa a passar por sua vitrine-tela ante seus olhos, não podia saber como
seriam seus filhos e netos (caso os tivesse), qual seria a próxima descoberta
da Ciência, ou se o seu vizinho de mesa espirraria às suas costas. Não tinha
controle sobre nada... A não ser sobre o livro e o celular. Ainda assim, eles
frequentemente lhe pregavam peças. O livro mais que o celular em termos de
personalidade. O celular mais que o livro em termos de temperamento.
- Desculpe pelo atraso.
É impossível transitar pela cidade neste horário... Demorei muito?
O café quente que trazia
com delicadeza à boca ardeu-lhe por todo o aparelho digestivo. Dera um enorme
gole devido ao susto. O líquido vazado da xícara despejada com força sobre o
pires ardeu sobre a madeira da mesa.
Não conseguiu falar
palavra durante alguns milésimos de segundo. Só teve tempo de recolher o livro
e o celular para que não ardessem também com o café.
Olhou em volta.
- Olha, acho que você se
enganou de pessoa.
O ser não identificado também
olhou em volta. Mas olhou mais para dentro de seus olhos.
- Eu nunca me engano.
Não gostou nada da petulância
daquele ser que era aparentemente contraditório: corria para não chegar atrasado
e logo em seguida sentava-se quando todos corriam. E sentava-se à mesa errada.
- Pra tudo existe uma
primeira vez... E esta é a primeira.
- Não, tenho certeza que
não me enganei. Você não estava à espera de alguém?
Entreabriu os lábios
para responder, mas conteve a voz na garganta. Estava? Nunca ficara sem
responder a nada de pronto. Sempre tinha uma resposta na ponta da língua...
nunca uma dúvida no fundo da garganta.
- Eu...
- Então, fique feliz,
pois sua espera terminou. Não era o que você queria? Estou aqui...
- E o que você sabe
sobre a minha espera? Você, alguém que entra sem aviso, chega à minha mesa
sem permissão e ainda me faz perguntas que eu não sei responder?
O ser sorriu
sarcasticamente.
- Pra tudo existe uma
primeira vez, não é mesmo?
Ah, não, aquilo era de
tirar do sério!
- Alguém que, ainda por
cima, tem a petulância de usar minhas palavras contra mim! Quem é você, afinal?!
- Ora... Você ainda
pergunta?... Eu sou quem você estava esperando.
Suas sobrancelhas, curvadas
ante o ímpeto de levantar da cadeira e juntar-se, pela primeira vez, à correria
desenfreada de pessoas que não se conheciam, cederam ao relaxamento. A frase,
apesar de absurda, parecia fazer sentido. Há muito esperava, toda vez que se
sentava em um dos cafés da cidade aos finais de tarde, por alguém que acalmasse
sua pressa e reparasse em sua vigília voluntária. Pela primeira vez (quantas
vezes ainda repetiria essa expressão?), alguém olhava em seus olhos e dizia que
estava ali para cessar sua espera.
Olhou para o café
derramado sobre a mesa. Mirou o livro e o celular repousados sobre seu colo. Olhou
os olhos que não miravam nem para o café, nem para o livro ou para o celular.
Aqueles olhos miravam os seus.
- Por favor, sente-se.
Sentou-se bem de frente
na cadeira vazia, sem desviar o olhar.
- Há quanto tempo está
aqui?
- Mais ou menos uns dois
anos.
- Por que esperou tanto?
Por que consumir xícaras de café, páginas em papéis e em telas se, no fim,
apenas seu tempo foi consumido?
Engoliu a dúvida no
fundo da garganta, que agora virava tristeza.
- Não há
justificativa...
- A espera é justificada
quando aliada ao tempo. Lá fora alguns correm contra o tempo. Ignoram-no e
acabam se tornando escravos dele. Aqui dentro você tem todo o tempo do mundo...
E só espera.
O líquido amargo
acumulou-se no canto do olho.
- Quem é você?
- Acho que já respondi a
esta pergunta.
- Mas... Quem eu
esperava? Nem eu sei dizer...
- Esta pergunta só você
pode responder.
Chorou dois anos em dois
minutos. Secou os olhos por baixo dos óculos. Pegou o livro junto ao peito por
baixo do casaco e colocou o celular no bolso da calça. Levantou-se sem dizer nada.
- Vai embora?
- O tempo não volta
atrás... Já esperei o que tinha que esperar. Tenho tempo, por isso não vou correr.
Vou apenas justificar minha espera...
Seguiu para a porta.
- Espera!
De costas, esperou que
se aproximasse.
- O tempo é seu aliado
agora, lembra-se? Vou com você.
Sorriram. Chovia
torrencialmente.
Olharam nos olhos.
Deram as mãos.
E, sem abrir
guarda-chuva, seguiram pela rua em seu próprio ritmo.
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