Esperou com olhos arregalados que a descoberta
começasse.
Há tempos vinha esperando por aquele momento. Arrepiava-se
ante o vislumbre do mistério, do desvelar-se de tudo que fora guardado detrás
de sombras... e de luz.
Respirou por três vezes e tentou se acalmar. Do
contrário sua ansiedade o faria perder alguma palavra, algum momento. O mestre ia
falar...
- Podemos começar?
- Claro, claro... – disse, nervoso, ajeitando
sua posição.
- Certo. Já sabes o que mais deves saber?
- O que mais? – ficou confuso. – Não posso saber
mais, pois ainda nada sei. O que mais devo saber?
- Mais do que sabes, bem se vê!... Quis dizer: já
sabes o que de mais importante deves saber?
- Ah, sim! – agora tudo fazia sentido. – Devo
saber do que se trata a essência do Amor.
O mestre manteve-se em silêncio. Olhou-o
calmamente no fundo dos olhos, como se quisesse dali arrancar a petulância de
um aprendiz tão cheio de si. Em seguida, uma gargalhada atingiu seus ouvidos de
iniciante, vinda da garganta do mestre sempre sisudo. De fato, a cena mais
grotesca que já vira na vida. Ajeitou, mais uma vez, sua posição. Respirou por
mais três vezes. Do contrário, teria gargalhado junto... ou chorado ante o
terror daquela carranca.
O mestre ia falar...
- Meu caro, não há nada mais custoso do que compreender
a verdadeira essência do Amor. Pois ele, em si, é dúbio, incoerente, insensato
e por vezes inóspito.
- Como assim?... Não seria o Amor o sentimento
mais sublime que existe?
O mestre não discordou ou tão pouco concordou.
- Ficará mais fácil entender se elevarmos o Amor
ao status de ação: AMAR. O Amor, per se, não passa de um sentimento estanque,
estático. Um estado que na verdade não existe. A ilusão de estar num estado
de Amar. Em verbo movimenta-se, expande-se, extrai de um momento a
continuidade.
Só conseguia anotar. Prestar atenção sempre fora
seu forte... Mas aquilo precisava anotar, para nunca mais esquecer.
- Mestre, entendo quando fala do Amor como
verbo, como ação. Nossa função seria, portanto, manter o Amor como ação, isto é,
em perfeito movimento de Amar?
O mestre cruzou os braços em frente ao peito,
satisfeito.
- Vejo que já entendeste tua primeira lição: Manter
o Amor em perfeito movimento de Amar. E este perfeito movimento requer...
Interrompeu a frase no meio. Pela sua expressão,
esperava que completasse a frase.
- Requer... Ahm... Requer...
Os braços cruzados de satisfação desfizeram-se
em um clamor aos céus.
- Tempo, meu caro, tempo!... Mas não somente o
tempo, pois ele é capaz de desgastar o Amor quando esse ainda não é verbo. A
continuidade do perfeito movimento requer a flexão de vários outros verbos:
doar-se, entregar-se, apegar-se, expressar-se... compreender, aprender,
ceder... falar, calar... ouvir... E, meu predileto: ABRIR.
- Abrir, mestre?
- Sim, abrir. Amar se trata, principalmente, de
abertura. Abrir-se para mudanças, abrir sua vida para outra pessoa, abrir mão
do próprio ego. Ninguém é capaz de Amar e receber os benefícios do perfeito
movimento se não for capaz de ABRIR seus pensamentos, sua alma e seu coração
para o novo, para o intangível e inseguro, para o escuso, o imperfeito e o
obscuro.
- Não tinha ideia de como Amar poderia ser tão
luminoso... E ao mesmo tempo tão sombrio.
- É certo que é preciso haver luz para que haja
sombra... Mas nos esquecemos de que é preciso conhecer a sombra para
entendermos a luz.
Suspirou.
Pensou por alguns instantes.
O mestre não interferiu. Esperou que ele
falasse.
- Mestre... – disse ele, um pouco triste. – Se Amar
é mesmo tudo isso... Poucas pessoas amam de verdade.
O mestre sorriu.
- Eis nossa grande função, meu caro. Se
pretendes contribuir para que o perfeito movimento nunca cesse... Assegures-te
de que todos os fatores estejam presentes quando desferires teu golpe certeiro.
Tua chance é uma só, ainda que o Amor tenha várias chances. Não sejas frívolo
em tua pontaria. Do contrário, o mundo apenas ficará repleto de paixões sem
sentido.
Levantou-se convicto. Fez uma reverência ao
mestre.
Antes de sair, respirou por mais três vezes...
Do contrário, estremeceria em sua pontaria e encheria o mundo de paixões sem
sentido, nada mais.