Estive arduamente
pensando em como não começar estes escritos de uma forma piegas. É bem provável
que, agora que você tem interesse e capacidade para ler e entender este texto,
já tenha percebido que sua mãe, apesar de sonhadora e cheia de desejos, não é
nada piegas, e também não muito convencional. Mas há um motivo por ser o início
a flexão deste verbo tão almejado, e ao mesmo tempo tão temido por todos os
seres humanos. Quero lhe dizer, meu filho, a respeito de algo que eu achava que
conhecia, mas que só pude realmente saber depois de tê-lo comigo. Piegas? Pode
ser, mas é a mais pura verdade, suscitada do sentimento mais sublime que alguém
possa ter.
Claro que estou falando
de Amar... E não só do Amor. Enquanto nome é assim predeterminado e bastante
estático, eu diria. Mas como palavra de ação, transporta em si o movimento de
que não é possível estagnar dentro das sensações que suscita. Não é possível dizer
“eu te amo” sem que isso signifique um processo, e muitas pessoas proferem essa
frase tão carregada de sentidos pensando em algo estanque como se, uma vez
estando-se na condição de amar, ama-se para sempre. O que não é verdade, meu
amado filho.
Não sou a pessoa mais
indicada para falar sobre esse verbo transitivo, nem sobre sua condição
intransitiva (conforme a linda obra de Mário de Andrade). Mas posso dizer que
fui rondada por essa condição de Amar pela vida toda, assim como cada ser
humano existente. É fato que nem todos têm a sorte de se dizer parte dessa
atmosfera de transitividade, ou intransitividade, pois muitas pessoas a
vivenciam pela sombra do sofrimento. Sinto-me, portanto, afortunada,
especialmente pelo fato de ter aprendido - um pouco tarde em referência aos
relacionamentos do passado, admito - que esse Amar muitas vezes trazido nas
entrelinhas pelo discurso da sociedade, o Amar egocêntrico, o Amar mesquinho, o
Amar que deve superar a tudo e se consolidar quase como uma instituição
religiosa, não é o Amar que todos sentem, nem que todos deveriam sentir. É
preciso muito, mas muito mesmo para que alguém possa dizer, genuinamente, que
sabe o que é Amar.
Não pense, filho, que
tudo que é feito e retratado em nome do Amar seja errado. Pelo contrário. Mas a
verdade é que as pessoas por vezes banalizam o que sentem, engessam sua
percepção, esquecem que a pessoa amada e nós mesmos mudamos a cada segundo,
assim como nossas células se renovam. A natureza é intrinsecamente mutante e,
como Amar é o verbo que melhor a representa, é ele também, portanto, mutante.
Hoje posso amá-lo de um jeito, amanhã o amarei de outro, e ainda assim o
amarei, mas respeitando o que é naquele momento. Sem querer cobrar-lhe com a
famigerada frase: “Você não é mais a pessoa que eu amava”. Claro que não! Se esse
alguém não é mais o mesmo e você não o ama mais, o problema talvez esteja no
seu Amar, e não exatamente na pessoa amada.
Lembre-se, meu filho,
que Amar não se refere somente a alguém externo. O Amor (Amar) próprio é uma
das mais belas, e mais difíceis, formas que há de Amar. Difícil porque muitas
vezes não conseguimos aceitar que nós também não somos mais os mesmos, que nós
temos nossos momentos de amáveis e não tão amáveis, que fazemos bobagem, que
erramos, que choramos lágrimas de desafetos e que, enfim, somos mutantes e
imperfeitos. Aí está outra lição que o Amar nós ensina: o perfeito é um
equilíbrio eterno a ser buscado. Ser perfeito não é um estado de graça, é uma
busca de vida. E, se a busca levá-lo a se convencer de que ser imperfeito é que
tem mais graça, assim seja! Afinal de contas, ninguém sabe o que significa
realmente ser perfeito... Seja perfeito em sua imperfeição ou imperfeito em sua
perfeição, meu filho.
Não quero me estender
além das palavras que chegam aos seus olhos, ouvidos e pensamentos. Quero que
descubra a sua própria forma de Amar, quando for a hora. Desejo que ame em
proporções galácticas, que não se arrependa de Amar ou não Amar e que esse
verbo o leve a ser consciente, lembrando-se que Ícaro tem asas de cera, ainda
que o Sol seja belo e maravilhoso. Preserve suas asas para que possa alçar voos
ainda maiores, meu filho.
Saiba, por fim, que tudo
que foi dito aqui é mais uma declaração de Amor (Amar) do que um rol de dogmas
a serem seguidos. Digo que aprendi tudo o que foi dito aqui pelo Amar que senti
por você desde o primeiro dia que você entrou na minha vida, ainda que tivesse
que repetir para mim mesma, nos momentos mais difíceis, o quanto eu amava, amo
e amarei essa criatura mutante que você, meu filho, é e sempre será. E sua mãe
sempre amará o alguém que você irá se tornar, pelo brilho nos seus olhos, pelo
perfume dos seus cabelos, pela sua presença, enfim. A constância do Amar é a
presença... O resto é a confirmação eterna de que Amar é aquilo que é em determinado
momento, uma onda indo e vindo num mar sem fim.
Eu te amo, meu amado filho.